Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Folha de S.Paulo - CLÓVIS ROSSI A gangrena da pátria - 23/02/2005


SÃO PAULO -
Dois títulos na capa de ontem desta Folha contam mais sobre o governo Lula do que toda uma coleção de livros acadêmicos. Primeiro título: "Arrecadação da Receita bate recorde em janeiro". Segundo: "Desnutrição mata mais uma criança índia em MS".
De que adianta o governo bater recordes de arrecadação se é incapaz de evitar que a fome mate uma criança? Em qualquer governo, já seria um crime de má administração. No governo que inventou um tal de Fome Zero, a esse crime soma-se o de propaganda enganosa.
Fosse um caso isolado, a morte de Kelly Fernandes, 6,5 meses, já deveria provocar a fúria do presidente da República -se sinceras suas reiteradas afirmações de que sonha com o dia em que todos os brasileiros tenham café da manhã, almoço e jantar. Mas a menina é a terceira a morrer nos 50 dias transcorridos do ano. E nada além do ensurdecedor silêncio das autoridades.
Quando a morta foi uma branca, ainda por cima norte-americana de nascimento, o governo ainda fez barulho, movimento, lançou um pacote (governos sempre lançam pacote na hora do escândalo, para esquecê-los quando o ruído cessa). Nada contra. Deveria, é verdade, ter agido antes, porque faz anos que se sabe que a situação no Pará é tremenda. Mas pelo menos agiu depois.
Já quando os mortos não são brancos, ninguém vai ao enterro.
Nem nós, diga-se -se por "nós" se tomar a sociedade civil. Que eu tenha visto, só o ombudsman desta Folha, Marcelo Beraba, gritou de inconformismo com o descaso no tratamento noticioso dos índios mortos de fome. Os outros todos estávamos vertendo indignação pela eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara ou pela enésima tentativa do governo de turno de aumentar os impostos que já geram uma arrecadação recorde.
Nada contra o exercício da indignação -seja contra o que for. Mas um governo e um país que deixam passar batida a morte de crianças pela fome estão gangrenados, seriamente.

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