Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 19, 2005

O DIA Dora Kramer

Geração nada espontânea


É poética, mas desconsidera dados da realidade a versão “Queda da Bastilha” corrente em Brasília para explicar o inesperado resultado da eleição da presidência da Câmara dos Deputados.

Por aquela ótica, Severino Cavalcanti seria produto de uma revolta da maioria popular, silenciosa e oprimida, contra a minoria aristocrática, ruidosa e opressiva, do Poder Legislativo.

A comparação com a Revolução Francesa sustenta conversas, mas não produz verdades. Além, é claro, de prestar-se à imperdoável, mas recorrente prática da exaltação ao lugar-comum.

Severino Cavalcanti, com todo o respeito que merecem seus eleitores de origem (os pernambucanos), não ganhou nada. Deve a presidência da Câmara justamente à ação organizada e coordenada da elite parlamentar que soube aproveitar o momento e capitalizar os monumentais erros do petismo.

O deputado do PP era o instrumento mais à mão para que uma conjugação de interesses legítimos, ilegítimos, morais, imorais, éticos, aéticos e, dizem, até ilegais, manufaturassem uma lição ao Governo e ao PT.

Alguns vinham ruminando a vingança há tempos, outros apenas exercitaram a pressão miúda que resta a quem não dispõe de grandes atributos para se destacar no Parlamento, mas a operação decisiva esteve sempre no controle das lideranças; quando elas decidiram que era Severino o caminho – e isso só aconteceu entre o primeiro e o segundo turnos de votações –, ficou definida sua vitória.

Nas mãos da peãozada (para usar jargão concernente ao figurino em voga na República), o deputado Severino não chegaria a lugar algum; inclusive porque os artífices da candidatura oficial não lhe deram a menor bola nem consideraram necessário negociar com ele coisa nenhuma para que se retirasse da disputa.

Já havia feito uma vez, poderia muito bem ter feito de novo.

O candidato chegou ao topo carregado em vários tipos de andor. Entre eles não está o da geração espontânea de uma insatisfação difusa que, uma vez vitoriosa, possa provocar uma alteração substantiva na lógica de poder no Parlamento.

Em outras palavras: a Câmara pode até virar de cabeça para o ar, gente do baixo passar a integrar o alto clero. Mas, se tal ocorrer – o que é pouquíssimo provável –, terá sido por motivos alheios aos atributos de liderança revolucionária do deputado Severino Cavalcanti.

Exímio negociador da própria candidatura a integrante da Mesa Diretora – da qual faz parte há oito anos –, o deputado chegou ao topo em 2000, quando retirou a postulação de presidente em troca da primeira secretaria oferecida pelo tucano Aécio Neves.

Desta vez foi e, já quase nos últimos momentos, começou a ganhar apoios porque as águias oposicionistas perceberam que estava com ele, e não com o petista Virgílio Guimarães, a chance de impor uma derrota “au grand complet” ao Governo, pois o candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, seria derrotado de qualquer forma no segundo turno.

Detectou-se a possibilidade de romper com o que o deputado do PMDB gaúcho Eliseu Padilha nominou nas discussões de “dinâmica do pêndulo” adotada pelo PT. “Por essa lógica, os petistas ficaram durante esses dois anos fazendo eles mesmos os papéis de situação e oposição. Se Virgílio ganhasse, no dia seguinte estaria perfeitamente recomposto com o Palácio do Planalto”.

Ou seja, o Governo tinha, na visão da oposição, a propriedade do plano A e do plano B ao mesmo tempo.

Já havia até uma certa conformidade com isso quando, nos últimos dias, a candidatura de Severino Cavalcanti começou a ganhar mais força.

A oposição também iniciou uma revisão de contas. Antes mesmo da primeira votação, enquanto no plenário eram feitos os primeiros encaminhamentos, os deputados José Janene e Ricardo Barros, coordenadores da campanha de Severino, foram procurados pela oposição para saber de quantos votos ele precisaria para ir com certeza ao segundo turno.

Asseguraram que com 20 votos a mais a passagem estaria assegurada. É claro que naquela altura PFL, PSDB e parte do PMDB prefeririam o nome do pefelista José Carlos Aleluia.

Mas, pela contabilidade, ele teria de ter garantidos mais 80 a 90 votos para conseguir passar ao segundo turno. Sendo impossível o ideal, partiram os cardeais para o possível, saindo à cata dos 20 votos necessários à exclusão de Virgílio Guimaraës e à inclusão de Severino na etapa final.

Foi assim que o pernambucano obteve os 124 votos que, contra os 117 do petista dissidente, serviram de ingresso ao gabinete de presidente da Câmara pois ninguém tinha dúvida de que qualquer um que fosse ao confronto com Greenhalhg capitalizaria as insatisfações – seja com o candidato, seja com o Governo.

Severino Cavalcanti acabou ganhando com uma votação enorme para uma disputa com tantos candidatos; 300 votos num universo de 498 (os deputados presentes), convenhamos, é muita coisa para quem horas antes estava precisando de 20 votos os chegar ao segundo turno.

Por essas e por muitas outras é que se configura uma historinha bonita essa do gato borralheiro, mas ainda não foi dessa vez que – também no Parlamento – a classe operária chegou ao Paraíso.

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