Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Somos todos conservadores João Mellão Neto O ESTADO DE S.PAULO


Em recentes declarações, Lula tachou os inescrupulosos madeireiros do Pará de "delinqüentes" e "conservadores" (sic). Delinqüentes dá para entender. Agora, "conservadores"... O que há de errado em alguém ser conservador?

Segundo o Aurélio, conservador é "aquele que conserva, aquele que é favorável à conservação da situação vigente, opondo-se a reformas ou mudanças radicais". Levando estas definições ao pé da letra, conservadora era a freira assassinada - ela queria "conservar" a floresta intacta, do jeito que sempre foi. Os madeireiros são tudo, menos conservadores. O intuito deles é o de derrubar tudo, promovendo mudanças radicais no meio ambiente...

Vamos dar um desconto ao presidente Lula. Ele não é o único a fazer confusão com os termos "conservador" e "progressista". Recorramos novamente ao dicionário: progressista é aquele que é favorável, adepto ou partidário do progresso.

No vocabulário político do passado, ser conservador implicava ser adepto da "direita" e ser progressista significava ser da "esquerda". O primeiro era intrinsecamente "mau" e o segundo era inerentemente "bom". A palavra "progresso" evocava naturalmente a idéia de "avanço" e de "evolução para melhor" e "conservador" trazia à mente a noção de "atrasado" e "retrógrado".

Muita gente fixou esses conceitos na cabeça e os repete, hoje em dia, sem saber exatamente sobre o que está falando.

A ideologia mais avançada, nos dias atuais, é o ambientalismo. A ecologia conta com um número sempre crescente de adeptos e desperta tantas paixões, na vanguarda intelectual e na juventude, quanto despertou o marxismo nos dois séculos passados. Ironicamente, o ambientalismo é uma visão de mundo nitidamente conservadora e antiprogressista e nem por isso é negativa, atrasada ou retrógrada. Os ambientalistas são conservadores por excelência, uma vez que seu intento é conservar as florestas, os rios e as culturas nativas. E são antiprogressistas, uma vez que o intuito é preservar o meio ambiente contra a devastação desenfreada imposta justamente pelos adeptos do progresso a qualquer custo.

Embora, na visão de Lula, "conservador" tenha o mesmo significado que reacionário, o fato é que o pensamento conservador tem raízes filosóficas bastante consistentes.

A pedra fundamental da filosofia conservadora é o que se pode chamar de o "teste do tempo". O passar do tempo é o melhor juiz do que é certo e do que é errado. O tempo é avassalador. Ele destrói modismos, idéias pseudo-inovadoras e conceitos equivocados. Só sobrevive ao tempo aquilo que é realmente bom, verdadeiro, benéfico e consistente.

Para os conservadores, o novo não é necessariamente melhor do que o antigo. Mudar nem sempre implica evoluir. O progresso, por si só, não é algo intrinsecamente positivo. As inovações, antes de ser adotadas, têm de passar pelo crivo do tempo. Se resistirem a ele, demonstram ser válidas. Se não sobreviverem, é porque não deveriam mesmo ser implementadas. Quantas vezes, na História, já se pregaram idéias revolucionárias que depois se mostraram inviáveis à sociedade? O fascismo, o comunismo, o movimento hippie - para citar alguns exemplos -, tudo isso, quando surgiu, parecia prenunciar o futuro da humanidade. Nada disso resistiu ao teste do tempo. Não se deve embarcar em aventuras, é a lição que a História nos dá. É esse o cerne do pensamento conservador.

O conservadorismo, no século 21, está em alta. Mesmo que seus adeptos não se entendam como tais. O vertiginoso avanço das ciências e da economia provocou em muitos essa reação.

O progresso implica globalização, destruição de ecossistemas, deslocamento das populações locais para os grandes centros, desagregação das famílias e extinção das culturas e dos valores das pequenas comunidades. Não apenas isso. As ciências criaram a agricultura transgênica, a clonagem humana e a engenharia genética a partir de embriões.

Contra tudo isso se levantam inúmeros movimentos sociais e organizações não-governamentais - como se viu, recentemente, no Fórum Social Mundial - que, embora se sintam na vanguarda da sociedade, são, na verdade, reações de cunho conservador. São contrárias à globalização, defendem a reafirmação dos usos e costumes locais, pregam a milenar agricultura orgânica e a imposição da ética como limitadora do avanço científico.

Nos dias atuais, os sinais se inverteram. Ser "da esquerda", agora, implica defender valores conservadores, enquanto ser "da direita" significa adotar a filosofia do progresso, ou seja, "progressista".

Por tudo isso, quando vejo Lula se levantar contra o que chamou de "conservadores", não sei realmente o que ele quer dizer.

Eu, de minha parte, me confesso dividido. Sou progressista na medida em que acredito no progresso, entendo a globalização com um fenômeno irreversível e acredito que os avanços científicos sempre resultaram e resultarão em benefícios para a humanidade.

Por outro lado, eu acredito em Deus, defendo os eternos valores cristãos, sou favorável à preservação do meio ambiente e, sobretudo, entendo que a família é, e sempre deverá ser, o alicerce da sociedade.

Nesses e outros tantos aspectos, eu sou um ferrenho conservador.

Você, que me lê, provavelmente também é.

E não há por que ter vergonha disso.

João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado. E-mail: j.mellao@uol.com.br. Site: www.mellao.com.br. Fax: (11) 3845-1794

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