Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF: Jabuticaba versus Apple - 18/02/2005

Os duendes da Terra do Nunca continuam atacando. É inacreditável a maneira torta como se muda o foco dos pontos essenciais que impedem o crescimento da economia. Foquemos em um aspecto apenas: a comparação da capacidade de compra do consumidor brasileiro, em relação a um estrangeiro, levando em conta apenas juros e tributação.
Esqueçamos, por ora, o custo do capital, a tributação sobre investimentos, infra-estrutura precária e fiquemos apenas nesses dois pontos.
O brasileiro Jabuticaba ganha salário bruto de R$ 3.000; o norte-americano Apple ganha o equivalente a isso.
Vamos esquecer também os encargos que incidem sobre a folha para as empresas e focar apenas nos descontos para os empregados. O salário do Jabuticaba sofre descontos de 22%; o do Apple, de 10%. Só por conta dessa diferencial, o salário líquido do Apple é 15% maior que o do Jabuticaba.
Se cada qual comprometesse 20% da renda bruta com a prestação de financiamento de um carro, Jabuticaba poderia dispor de R$ 468, e o Apple, de R$ 540 mensais.
Jabuticaba conseguiria financiamento a 2,5% ao mês; Apple, a 0,45%. Supondo um financiamento de 48 meses, o Jabuticaba conseguiria adquirir um carro de R$ 13 mil, enquanto o Apple conseguiria um de R$ 23.300. Só por conta dos impostos sobre o salário e do diferencial de taxa de juros, o poder aquisitivo do Apple seria, portanto, 79% superior ao de Jabuticaba.
Para carros populares, a carga tributária é de 25% sobre os carros brasileiros e de 6% nos EUA. Computando esses tributos, o Apple conseguiria adquirir um carro cujo custo (sem impostos) seria de R$ 22 mil, contra um de R$ 10.400 do Jabuticaba.
Entrando na conta apenas o diferencial de juros, de impostos sobre o salário e de impostos sobre o automóvel, o poder aquisitivo do Apple é 111% maior que o do Jabuticaba, com ambos ganhando rigorosamente o mesmo salário bruto.
Não adiantam teorias -complexas na formulação e primárias no diagnóstico. Por mais que rujam as planilhas, há pontos que são fundamentais em qualquer economia, normas de bom senso, de lógica, que estão sendo desrespeitadas há mais de uma década.
Montou-se uma dinâmica de aumento de juros, sem nenhuma espécie de restrição -o mesmo que outorgar a um médico o direito de utilizar a dosagem de antibiótica que quiser para debelar uma infecção, sem responsabilizá-lo pelas seqüelas no paciente. E em troca de quê? Da promessa, jamais cumprida, de que no Dia do São Nunca o sol há de brilhar mais uma vez.
No final do governo Fernando Henrique Cardoso, essa estratégia econômica suspeita e emburrecedora já tinha perdido toda legitimidade. Ganhou sobrevida com essa adesão de Lula à ultra-ortodoxia.
Agora, com a eleição de Severino Cavalcanti, com a oposição descobrindo que o excesso de tributação é o calcanhar-de-Aquiles do governo, a fase de poder absoluto do Banco Central entra na reta final.
O que virá por aí lá sei eu, muito menos o governo.

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