Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 26, 2005

Primeira Leitura : A natureza do escorpião e “Nunca vi nada mais anti-repulicano”, diz Peres


Primeira Leitura : A natureza do escorpião


Quem apostou que o escorpião tinha virado borboleta começa agora a ver que não é bem assim. Na verdade, está-se criando um bicho exótico e bem perigoso: um escorpião com asas. Que têm de ser cortadas a tempo

Por Reinaldo Azevedo

Conhecem a fábula do escorpião, não é mesmo? Para quem não sabe: é aquela em que o aracnídeo pede ao sapo que lhe empreste as costas para atravessar um rio. O outro desconfia: “Você vai me picar”. Cheio de lógica, aquele que pediu a carona argumenta: “Não vou ferroá-lo, ou ambos morreríamos”. O sapo, que havia estudado lógica, acha razoável e dá carona ao bicho. No meio do caminho, pimba!, sentiu o ferrão penetrar-lhe a carne sapal. Antes que expirasse, teve tempo de ser lógico uma última vez: “Mas ambos vamos morrer!”. Ao que lhe respondeu o outro, partidário do fatalismo trágico: “Não posso fazer nada. É a minha natureza”. É isso aí: o PT tem uma natureza. Para exercê-la, se preciso, investe na crise. Mais uma vez. Mas desconfio que, desta vez, vai-se ferrar sozinho.

Os petistas, é visível, estão acuados, mesmo quando reagem com agressividade e ameaças veladas, como faz José Dirceu, outro que até pode mudar de face, mas não de essência. Anunciada a disposição do PSDB de tentar processar Lula por crime de responsabilidade, faz as suas ameaças, sugerindo que o “feitiço pode se voltar contra o feiticeiro”. Bravatas novas que se somam às antigas. Márcio Thomaz Bastos, que raramente perde uma chance de degradar a sua biografia jurídica, diz que, caso se fale em CPI, “só se for das privatizações” havidas no governo FHC. Por que a ilação? Este senhor é ministro da Justiça, não um rábula qualquer do petismo. Sabe de alguma irregularidade e também se calou? Se o fez, prevaricou ele também.

O caso é, leitores, que eles não sabem de nada! Trata-se apenas do exercício da natureza do escorpião. Tanto não sabem que reparem bem como, na prática, de Lula a seus bate-paus, passando por Carlos Lessa, estão todos tirando o time de campo. O sempre loquaz, estridente e exótico ex-presidente do BNDES, que passou dois anos a sugerir a existência de pesadas irregularidades no banco, diz agora que não era bem isso, não. Que se referia a supostos problemas financeiros da instituição e blablablá. Vale dizer: ele não sabia de nada. Quando muito, tinha divergências sobre procedimentos adotados, mas que, à moda da casa e para atender à vocação escorpiônica, transformou em denúncia vazia. Pois bem: Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, dará a Lessa uma excelente chance de se explicar por meio de um processo.

A nota de FHC é um exemplo de rigor com as instituições e com a realidade política, dando ao presidente uma saída. Lula falou demais e sem pensar? Se o fez, que se explique e se retrate. Se mantém o discurso, o Congresso, como instituição, tem de tomar providências. Está obrigado a abrir processo por crime de responsabilidade contra o presidente e o “companheiro” que com ele compartilhou o segredo. Cometeram-se acobertamento de crime e prevaricação. Mas há um outro probleminha aí: se Lessa está falando a verdade agora e nunca denunciou corrupção no BNDES, então quem está mentindo é Lula. E mentiria por quê?

Atenção agora

Neste ponto, peço ao leitor atenção para uma questão importante: sim, o PT quebrou a cara desta vez porque Lula não ensaiou direito o texto de palanque. Mas o que o levou ao discurso é método. Ele já está em franca campanha eleitoral, e os feitos que têm a exibir são bem menos vistosos do que dá a entender certa mídia. A cara de seu governo é o desemprego ter voltado aos dois dígitos; é o corte de quase R$ 16 bilhões no Orçamento; é a vergonhosa desídia no Ministério da Saúde, cuja incompetência e politicagem revelam uma face verdadeiramente homicida; é a reforma universitária soviética. E Lula já está em busca de um palanque.

Há um certo fermento de antigovernismo se formando, tanto na sociedade como no meio político. O governo Lula, tudo indica, já atingiu o ápice de suas “realizações”. A chance de que tenha chegado a um ponto de inflexão e venha agora a colher desgastes é muito grande. Qual é, afinal, o último ativo do PT? Lula. Lula e sua fala fácil; Lula e seu discurso freqüentemente irresponsável; Lula e suas soluções simples e erradas para problemas complexos; Lula e sua crença de que, de fato, como disse nesta semana, é ungido pela vontade divina. A exemplo do que fez durante todo o ano de 2002 (a rigor, a exemplo do que faz desde sempre), desandou a fazer acusações ao léu, falando o que lhe dá na telha. Só que é agora presidente da República.

Mas é um presidente candidato à reeleição. Pensem bem, leitores: Lula sem as bravatas, aquelas que ele mesmo admitiu, é o quê? Nada! Não existe. O que funciona no seu governo é continuidade do que herdou. Mas também, é verdade, mudou muita coisa, como se viu na Saúde: e mais gente começou a morrer. Mudou também na Reforma Agrária: os cadáveres se amontoam. Mudou também na educação: estamos prestes a ver a universidade brasileira, já capenga, destruída em definitivo. Lula precisa, em suma, lançar acusações ao vento para se justificar.

E o faz, é preciso dizer, de uma forma covarde, pusilânime. O “companheiro” que lhe teria feito a denúncia não tem nome; os acusados não têm nome; as acusações não são definidas. Entendam bem: o PT não quer mandar esta ou aquela pessoa para o banco dos réus — até porque, como sempre, o provável é que não existam nem crime nem criminosos. O PT quer mandar para o banco dos réus a oposição. Como é um partido com DNA totalitário — e Lula é seu emblema e seu maior beneficiário —, investe no racha da sociedade, no confronto. Esquece, no entanto, que o país tem instituições por enquanto sólidas, aquelas que eles, petistas, não conseguiram ainda conspurcar. E, nessa condição, reagem.

O que quero dizer é que o estilo chavista de Lula é deliberado, pensado, organizado, decidido. A decisão de satanizar a oposição não foi um rompante, não foi um deslize. O presidente, desta vez, só não cuidou direito do texto e foi muito além do que seria razoável e aceitável dizer. Na sua pantomima, como um ator que acredita que de fato é Lula, cometeu o chamado overacting, deixou que sua representação evoluísse para o histrionismo. E, agora, ou a República se degrada ou ele se explica.

Volto ao escorpião. Até havia pouco, muita gente boa e com acesso ao bom pensamento estava se deixando seduzir pela suposta conversão petista. Conversão nada! O Lula que se viu na quinta-feira, a deitar fora ligeirezas e falas irresponsáveis, era uma antecipação de um eventual Lula vitorioso em 2006. É para isso que caminhamos. Os demônios da hora foram aqueles escolhidos. Podem ser outros. Pode ser qualquer um que, por alguma razão, o partido decida que precisa ir para a fogueira para atender a seus interesses táticos ou estratégicos.

E essa é uma das grandes diferenças entre um partido democrático e outro que usa a democracia apenas como instrumento para chegar ao poder — e, se preciso, solapá-la. Partidos democráticos não põem em risco a reputação das instituições ou do cargo que ocupam apenas para manter o poder ou conquista-lo. Ao contrário: democratas sabem que o respeito às regras é a sua própria garantia de sobrevivência. A exemplo do que fez FHC com o próprio Lula, transmitindo-lhe o cargo numa transição exemplar e reiterando que o outro, a despeito de sua biografia de sandices e bravatas, não faria nenhuma besteira. Falavam em nome do Brasil, não do PSDB.

Ocorre que Lula consegue ser ainda menor do que o próprio PT, que, vá lá, ao menos na origem, tem raízes no movimento social. Lula sempre foi o candidato, finalmente bem-sucedido, a burguês do capital alheio, supondo — e contando, para tanto, com o encanto basbaque de meia dúzia de tolos politicamente corretos — que tudo o que não estudou (porque não quis) e tudo o que ignora, porque tem preguiça de ler, lhe seria transmitido pelo Espírito Santo.

Quem apostou que o escorpião tinha virado borboleta começa agora a ver que não é bem assim. Na verdade, está-se criando um bicho exótico e bem perigoso: um escorpião com asas. Que têm de ser cortadas a tempo.

Primeira Leitura : “Nunca vi nada mais anti-repulicano”, diz Peres

“Nunca vi nada mais anti-repulicano”, diz Peres
Senador tucano vê crime de prevaricação; líder petista defende Lula; Força Sindical quer que Ministério Público investigue; CUT pede CPI sobre privatização

As declarações dadas por Lula na quinta-feira foram o tema dos principais discursos desta sexta-feira no Senado. Jefferson Péres (PDT-AM) disse que “a coisa é tão grave, o presidente confessar um crime, que eu duvido que o presidente estivesse sóbrio”, acrescentando que Lula “fala demais, fala pelos cotovelos”. Logo em seguida, Peres foi aparteado pelo senador Mão Santa (PMDB-PI): “O senhor é advogado, mas não conseguiria defender o presidente. É como se diz, in vino veritas [o vinho traz a verdade]”. Daí, Peres prosseguiu: “Acho que o presidente estava sóbrio. Não quero ofendê-lo. Só levantei a hipótese como atenuante.”

Para Péres “das duas uma: ou o que o presidente disse ontem é verdade, e nesse caso ele é um criminoso, ou não é verdade e nesse caso ele é um mentiroso”. Ele disse ter acertado com o líder do PFL, José Agripino Maia (RN), a apresentação de uma interpelação ao Ministério Público para que se pronuncie sobre o caso. Eles também vão tentar convocar o ministro da Casa Civil, José Dirceu, para esclarecer o caso. Segundo Agripino, a Procuradoria tem obrigação de apurar. O senador pefelista acusou o presidente de crime de prevaricação. “Está comprovado e está claríssimo”, disse.

O senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) acusou Lula de ter prevaricado e afirmou que agora está explicado o comportamento do governo em relação ao caso Waldomiro Diniz, assessor da Casa Civil envolvido em denúncia de corrupção. “Será que o presidente entendeu que não ficaria bem investigar? Como presidente, ele quebrou um mandamento de Deus: não roubar. Não basta não roubar, não pode deixar roubar e é preciso apurar se houve roubo”, disse o tucano.

Defesa
O novo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS), assumiu a missão de tentar conter os ânimos e responder aos ataques ao presidente. Delcídio lembrou que, à época do episódio narrado por Lula, havia muita incerteza nos mercados sobre o desempenho do novo governo e que uma instituição como o BNDES não poderia ficar exposta. Com esse discurso, ele confirmou que o interlocutor citado pelo presidente Lula em seu discurso era o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.

“A situação exigia sigilo e discrição, porque havia uma preocupação de como o país reagiria a um governo do PT. O BNDES é uma alavanca de desenvolvimento e por isso o sigilo”, afirmou. Segundo o senador, com a renegociação dos contratos, o BNDES evitou lançar no mercado um prejuízo de US$ 2 bilhões, porque as garantias dadas pela AES eram ações, que haviam sido desvalorizadas. O BNDES ficou com 50% da empresa.

O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, que participou de reunião com Lula no Palácio do Planalto sobre a reforma sindical, ao ser questionado pelos jornalistas, disse que o Ministério Público deve exigir dele a apresentação das denúncias de corrupção. Paulinho, que é filiado ao PDT, disse que apóia a decisão dos partidos de oposição de exigir do presidente que ele aponte os supostos corruptos.

O presidente da CUT, Luiz Marinho, defendeu a criação de uma CPI para investigar a suposta ocorrência de corrupção no governo passado. Mas também considerou grave o fato de Lula ter escondido que tinha conhecimento da situação. Mesmo assim, Marinho tentou amenizar a atitude do presidente dizendo acreditar que tenha sido um compromisso com o processo de transição, que foi tranqüilo e amigável. “Isso deve ter acontecido no contexto da transição”, alegou.


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