O governo mostra hesitação em renovar o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). A própria agência e os credores externos pressionam pelo acordo, mas existem forças nacionais dentro do país que resistem. Essa será uma decisão crucial do governo Luiz Inácio Lula da Silva, não tanto pelo que ela represente em termos de mudança ou de manutenção da política macroeconômica, mas pelo seu sentido simbólico. Se decidir pela renovação, estará afirmando aos brasileiros que seu governo também renunciou à idéia de nação. Estará dizendo que o Brasil continuará submisso e sem perspectiva de adotar uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Se o país estivesse enfrentando uma crise, como aconteceu em 1998 e em 2002, recorrer ao FMI não teria esse significado. O principal papel que deve desempenhar essa instituição é a de ser emprestador de última instância. Neste momento, porém, depois de um saldo em conta corrente de US$ 11,7 bilhões em 2004 e da perspectiva de saldo apenas um pouco abaixo desse valor em 2005, o Brasil não tem necessidade de renovar o acordo. Renová-lo representará apenas o reconhecimento de que o governo desistiu de interromper o processo de recolonização do país iniciado no início dos anos 90.
Para o FMI, manter o Brasil sob o seu regaço é importante. Como, nos anos 90, a Argentina era o exemplo que essa organização podia apresentar ao mundo de país que seguia suas recomendações, agora esse papel está sendo representado pelo Brasil. Por isso o FMI está fazendo "concessões" ao Brasil, como se o país precisasse delas. Agora concorda em excluir cerca de R$ 3 bilhões do cálculo do superávit primário. Em outras palavras, concorda em reduzir o superávit primário acordado de 4,25% -o que é coerente com a lógica perversa do sistema econômico brasileiro, no qual o valor do superávit primário está condicionado pelo objetivo de não deixar a relação dívida/PIB aumentar. Como essa relação caiu devido à forte apreciação do real, o superávit primário pode ser reduzido.
Como qualquer instituição, o FMI precisa se mostrar útil a seus controladores, e por isso quer manter o Brasil subordinado. O nosso ministro da Fazenda, que continua a acreditar na política de "confidence buiding", mostra-se inclinado a renovar o acordo, ao dizer que ele seria "precaucionário". Sem dúvida, estamos precisando agir com mais cautela, mas não é nos subordinando fielmente às políticas vindas de Washington que lograremos segurança. Os países credores, que o FMI representa, não estão interessados em que o Brasil entre em nova crise, mas querem exportar o mais possível para cá e querem financiar o nosso déficit em conta corrente (a poupança externa) com seus financiamentos. Seus interesses, portanto, são contraditórios, e certamente não se identificam com o interesse nacional do Brasil.
O Brasil deixou de crescer a partir de 1980 em razão da crise do modelo de desenvolvimento anterior. Esse modelo, porém, foi abandonado há muito tempo, e, no entanto, continuamos a não ter nem estabilidade nem crescimento. Se me pedirem para dar uma única razão para a quase estagnação e a instabilidade da economia brasileira, não tenho dúvida em responder que foi nossa rendição à ortodoxia convencional vinda do Norte a partir dos anos 90.
Desde 1930, o Brasil vinha fazendo sua revolução nacional, "transferindo os centros de decisão para dentro do país", como dizia Celso Furtado, mas deixou de pensar com a própria cabeça diante de suas próprias fraquezas internas e da onda ideológica que vinha do Norte. Deixou, portanto, de ter uma estratégia para garantir a estabilidade macroeconômica e para se tornar mais competitivo internacionalmente. Ora, não serão os países ricos, que vêem os países de desenvolvimento médio como o Brasil como um de seus principais problemas, que nos contarão como voltar a tê-la. Nas nossas negociações comerciais, vemos todos os dias como eles defendem seus interesses contra os nossos. Por que não seria a mesma coisa em relação à política macroeconômica que nos aconselham?
Apesar de toda a pressão ideológica sobre o Brasil, os resultados das políticas propostas pelo Norte têm sido tão negativos que, aos poucos, a idéia de nação está voltando para os brasileiros. O governo Lula está vendo isso acontecer. Está vendo que a inserção do Brasil no sistema global só é possível por meio de uma política ativa de garantia da estabilidade macroeconômica e de elevados superávits comerciais. Talvez seja essa sua oportunidade de empunhar a bandeira da nação, que está, neste momento, sem um portador claro. Ou então aceitar a submissão e contar com as frestas que o Norte abre para que possamos, eventualmente, voltar a nos desenvolver.
Entrevista:O Estado inteligente
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