Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Miriam Leitão

paneco@oglobo.com.br


Na terra do meio

O que o governo anunciou ontem foi a mais importante ofensiva já feita para organizar a ocupação da Amazônia, que até hoje sempre foi comandada pelo crime e pela violência. A BR-163 corta o Pará. Ao ser asfaltada, ela levará mais pressão econômica e isso, portanto, aumentará o risco de mais desmatamento. O pacote de ontem ataca os dois lados da estrada. À margem direita, criou uma estação ecológica na dramaticamente ameaçada Terra do Meio. O outro lado, na área da turbulenta Novo Progresso, foi interditado por seis meses por um decreto de limitação administrativa. Lá haverá a primeira experiência de explorar a floresta em sistema de concessão.
O sistema de monitoramento em tempo real, montado pelo Ministério do Meio Ambiente com o Inpe, acendeu, no ano passado, uma luz no meio dessa área de que o Brasil pouco ouviu falar: a Terra do Meio. Visões mais aproximadas permitidas pelo satélite indicaram um grande desmatamento. Novas investigações mostraram barracões instalados no meio da mata e uma área de 6,2 mil hectares que foi desmatada em apenas dois meses.


— Não foi nem extração de madeira, foi queimado para jogar capim — conta o secretário executivo do Ministério, João Paulo Capobianco.

Nessa área superameaçada por ataques assim é que foi criada a estação Biológica de 3,3 milhões de hectares (uma área do tamanho de Alagoas); terra de onde não se poderá tirar madeira nem em plano de manejo. Fica entre os rios Xingu e Iriri e delimitada ao sul e ao norte por terras indígenas. É uma das partes mais preciosas do Pará, conhecida por ter uma das mais ricas diversidades do país; de seu território, o empresário Cecílio Rego de Almeida alega ser o proprietário. Aliás, ele alega ser proprietário de 6 milhões de hectares nesta região.

— Essa área será de preservação integral. Não pode haver nem manejo — explica Tasso Azevedo, diretor de Florestas do Ministério.

Outra frente de atuação, mais polêmica, acontecerá à margem esquerda da BR-163, em Novo Progresso, maior cidade da região, onde madeireiros e grileiros misturados a posseiros fizeram o violento protesto de semanas atrás. Essa é a área que por seis meses estará sob limitação administrativa. Em 8,5 milhões de hectares de floresta, o governo fará a sua experiência de ocupação ordenada. Funcionará? A divulgação do anteprojeto meses atrás, pelo jornal O GLOBO, provocou uma onda de protestos e foi entendida como privatização da Amazônia.

— É exatamente o oposto. Queremos evitar a privatização que acontece hoje, quando grileiros assumem terras públicas — afirma a ministra Marina Silva.

Na quarta-feira, fiz uma entrevista com ela. Ontem almocei com o secretário executivo e o diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente. Eles se esforçam para vender a idéia de que essa é a única maneira de ocupar este espaço da forma correta.

— Podemos proibir toda a atividade econômica na Amazônia? Eu penso que não. Se não podemos, o Estado tem que ordenar, impor limites. A concessão vai gerar emprego e renda, enriquece o país e preserva a floresta — diz Capobianco.

Pelo Projeto de Lei, o governo vai criar uma agência que apresentará um plano de outorgas. As áreas a serem licitadas permanecerão públicas e a única atividade econômica permitida será o manejo florestal: corte de árvores escolhidas com um estudo prévio que impede a destruição.

O diretor de florestas, Tasso Azevedo, compara a um campo de futebol, área onde cabem 200 árvores adultas e mil árvores jovens:

— Nesta área, só podem ser tiradas de cinco a seis árvores adultas a cada 30 anos. Isto permite uma atividade econômica que não destrói.

O assunto provocará muito debate no país, como aconteceu na nossa mesa de almoço. O que eles dizem é que a alternativa é permitir um processo selvagem de destruição no qual só ganham os criminosos numa atividade que alia o pior lado do Brasil. Enquanto explica o projeto, Capobianco vai superpondo os mapas de destruição da Floresta Amazônica ano a ano. É assustador.

Na entrevista que me concedeu, a ministra disse que as pressões sobre a região são fortes demais:

— O meio ambiente está no meio de uma pesada agenda de desenvolvimento. Não basta pôr o Ibama para multar, é preciso que todos os ministérios incluam a variável ambiental em todos os seus projetos.

Ela acha que há, nos interesses econômicos da região, os bons empresários, que querem gerar emprego e renda para o povo brasileiro. E há os bandidos. Separar o joio do trigo tem sido o trabalho mais importante. Perguntei que interesses econômicos mataram a irmã Dorothy:

— Tenho que ser cuidadosa porque sei que há pessoas de boa-fé nessas atividades econômicas. Foi a exploração predatória de madeira que sempre é seguida pela pecuária e pela produção de grãos — afirmou a ministra.

Os dados oficiais devem indicar, em março, que o Brasil destruiu, no ano passado, 24 mil km² de floresta. Se for isso, terão sido 48 mil km² durante o governo Lula e da protetora de florestas, Marina Silva. A ministra acha o número “vergonhoso”, mas garante que não vai “entregar os pontos”. O pacote ambiental que o governo lançou ontem é parte desse esforço de não entrar os pontos. “Nós não podemos desistir”, disse ela.

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