Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

O Estado de S. Paulo O 'compromisso' do governo Lula! Alcides Amaral

ESPAÇO ABERTO O ESTADO DE S.PAULO
Segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

O 'compromisso' do governo Lula!

Alcides Amaral

Todas as vezes que é questionado pela imprensa sobre o elevado nível de impostos do País, o ministro Antonio Palocci Filho, com aquela sua tranqüilidade habitual, afirma que "é compromisso do presidente Lula não aumentar a carga tributária no Brasil". O governo do PT assumiu o poder com uma carga tributária de 35,52% do PIB em 2002 (segundo dados da Secretária da Receita Federal) e o "compromisso" é mantê-lo nesse nível. A pergunta que fica é: o governo desconhece a realidade deste país ou acredita que o cidadão brasileiro seja absolutamente ignorante para se curvar às palavras, e não aos fatos?
Quando o então candidato Lula prometia que, se eleito, criaria 10 milhões de empregos e que todo companheiro teria direito a café da manhã, almoço e jantar, tudo bem. Promessas de campanha que não podem ser cobradas, pois quem gera emprego não é o governo, e sim o setor privado. E o programa Fome Zero, que seria a salvação do povo brasileiro, praticamente não saiu do papel. Portanto, fica o dito pelo não dito. Entretanto, quando falamos em carga tributária, a história é bem diferente, por várias razões.
Em primeiro lugar, é bastante estranho que o presidente Lula nunca tenha criticado essa "herança maldita" deixada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Talvez porque lhe seja conveniente (mais dinheiro para gastar), o governo PT prefere manter-se calado, ao invés de criticar. E, convenhamos, criticar essa "herança tributária" deixada pelo governo anterior seria plenamente justificável.
Em segundo lugar, a carga tributária do País é medida por órgãos idôneos e pelo próprio governo e não há, portanto, o que contestar. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária em 2003 ficou em 35,54% do PIB (pouco superior à alcançada em 2002) e aponta para 36,61% em 2004. Embora o ministro Palocci mencione sempre reduções pontuais de impostos para justificar a manutenção do "compromisso" do governo, a verdade é que a população e as empresas vêm pagando cada vez mais impostos.
E, em terceiro lugar, quando o governo anuncia novo aumento de carga tributária para 2005 (Medida Provisória 232) e a sociedade se rebela, não há como ignorar essa triste realidade. O governo quer - e precisa deles - mais impostos, pois é perdulário, gasta mais do que tem. Em 2004 os gastos com a manutenção da máquina administrativa do governo federal foram 25% superiores aos de 2003. Foram gastos nada menos que R$ 13,091 bilhões, cerca de R$ 3 bilhões a mais do que os investimentos efetuados pelo governo no ano passado. E o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, já anuncia mais dispêndios com pessoal para este ano, pois, "depois de dois anos, o governo assumiu alguns compromissos para 2005. Neste ano foram negociadas diversas e importantes reavaliações de carreiras, que terão um impacto". E estes "compromissos" serão, com certeza, cumpridos.
Diante dessa realidade - a realidade dos fatos, e não das palavras -, mais de mil entidades, reunidas na última semana em São Paulo, lançaram manifesto contra a nova alta de tributos pretendida pelo governo. Se a MP 232 passar como está, a base de cálculo da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda dos prestadores de serviços passará de 32% para 40%, com efeitos danosos para o País. Segundo o manifesto emitido pela Frente Brasileira Contra a MP 232, "a sociedade brasileira e, principalmente, os diversos segmentos do setor produtivo não suportam mais o excessivo peso da atual carga tributária", complementando mais adiante que "o aumento de tributação sobre os prestadores de serviços tem sido contínuo e reiterado, o que resulta em lançar empresas e profissionais para a informalidade". É só isso o que faltava, o governo empurrando ainda mais nossa sociedade para a informalidade.
Portanto, senhores integrantes do governo Lula, parece que está chegando a hora de tratarmos com mais respeito a sociedade brasileira. Quando o presidente Lula afirma que, "em 2003, vocês acompanharam o sofrimento; pegamos a casa depois de um vendaval como aquele que deu na Ásia e tivemos que consertar", a pergunta que fica é: se o governo Lula foi capaz de "consertar" o "tsunami brasileiro", onde estaria, pois, a dificuldade de cumprir aquilo que promete? E o que se espera é que o governo não cumpra apenas seus "compromissos", mas vá além. Mantenha a carga tributária nos já altíssimos níveis de 2002 e inicie em 2005 um processo de redução para os próximos anos.
Srs. governantes e congressistas, chegou, pois, a hora de efetuarmos uma reforma tributária "pra valer", e não aquele arremedo de reforma aprovado em fins de 2003, que teve por objetivo único proteger os cofres das prefeituras, dos Estados e da União. Na medida em que a economia está crescendo e a arrecadação do governo também, o momento é favorável para que o emaranhado de tributos seja revisto e que todos tenham condições de pagá-los. Pois só assim - com a população com capacidade para consumir e as empresas, para investir - teremos maior geração de empregos e bem-estar para o trabalhador. Nosso tão sonhado "crescimento sustentado" passa, necessariamente, por um sistema tributário mais eficiente e menos oneroso, livrando assim o desconforto do ministro Palocci de não cumprir o "compromisso" do governo Lula.

Alcides Amaral, jornalista,
ex-presidente do Citibank S.A., é autor do livro
Os Limões da Minha Limonada
(Editora Cultura). E-mail:
alcides.amaral@uol.com.br

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