Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

JB VILLAS BÔAS CORRÊA Falência programada


Qualquer que seja o resultado da eleição para presidente da Câmara dos Deputados, vença o candidato oficial ou atropele por fora um azarão, o derrotado certo é o Congresso. Ou mais exatamente o Poder Legislativo, levado de cambulhada na desmoralização das instituições e ainda arrastando o Executivo no lodaçal de morro abaixo, chamado a pagar a conta do festival de mordomias na feira livre do voto.

Ninguém terá do que se queixar, incomodando a soneca do bispo. Todos cruzaram os braços, de antemão rendidos pela autoridade em pandarecos.

Na crônica das disputas pelo comando da Câmara e suas vantagens, nos muitos ensaios vitoriosos da ornamentação dos gabinetes individuais com os cupinchas e a parentela fantasiados de assessores, sem nada para fazer, até a ópera com grande orquestra da eleição do melífluo deputado João Paulo Cunha, praticamente oficializando a barraca da barganha dos votos pelas reivindicações do calado e solidário bloco do baixo clero. E que foi presenteado com a criativa verba indenizatória de R$ 12 mil mensais, agora, reajustada para R$ 15 mil, para o ressarcimento das despesas de suas excelências nos fins de semana com a família, na base eleitoral, disfarce carnavalesco de salário indireto, sem desconto do imposto de renda.

Gorjeta de perdulário, além do complemento salarial por fora, a verba de gabinete foi aumentada para R$ 35 mil, viciando-se com a pirueta anual de avanços de R$ 10 mil: com proposta prontinha na Mesa Diretora para o salto para R$ 45 mil. O que criaria um engarrafamento nos corredores do palácio dos gabinetes privativos e individuais se todos comparecerem no horário de expediente dos dois a três dias úteis da semana parlamentar. Com os cálculos em cima da planta da casa, cada assessor teria que se espremer, em pé, em 1,5 m², sobrando metade à porta, entupindo o corredor.

Quem pensa que já viu tudo, não calcula o que vem por aí. Todos os candidatos, sem exceção, no desgaste do pudor consumido durante o vale-tudo da campanha nos cochichos nas últimas cadeiras do plenário, nos encontros em refúgios discretos, nos gabinetes com a porta fechada, assumiram compromisso explícito de acolher a pauta de exigências dos decisivos membros do alto, baixo e baixíssimo clero. E que, em simplificação que revela astúcia e longo tirocínio, reduz-se a uma fundamental exigência: a equiparação do subsídio da miudeza atual de R$ 12.720 para o teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que bate em R$ 19.115.

Atento e bisbilhoteiro, o veterano deputado e candidato Severino Cavalcanti eleva o lance, lembrando que os ministros do STF que, em rodízio, acumulam a gratificação por serviços prestados à Justiça Eleitoral, chegam ao patamar de R$ 21.550. Piso exato para o subsídio de 81 senadores e 513 deputados federais.

Astúcia e gula dão-se as mãos no saco de maldades. O subsídio tem peso pluma no balaio dos repasses mensais dos parlamentares, que passam da casa dos R$ 100 mil mensais, com as mordomias, benefícios, vantagens, passagens, verba para hotel, convocações extraordinária e toda uma lista de indecorosos privilégios.

Mas é a referência para o reajuste do pacotaço, no pinga-pinga da distribuição de guloseimas pela generosa Mesa Diretora. A cachoeira inunda cada canto do ziguezague da montagem do ganho dos que sacrificam algumas horas das tardes de dois a três dias por semana a serviço da pátria. O que a Mesa Diretora não decidir no limite da sua competência, o plenário aprovará em explosão de regozijo cívico, em dia de festa e alegria para a família.

Não se ouve um pio, uma palavra de advertência para a calamidade que se embute no desatino da ganância parlamentar. Em cima do laço, aprovado o novo subsídio, certamente pelo teto de R$ 21.500, as assembléias legislativas e as câmaras vereadores reajustarão no mesmo dia, sem esperar que o sol se esconda, os subsídios e penduricalhos dos deputados estaduais e vereadores, na proporção estabelecida pela Constituição.

O cordão da irresponsável cobiça desfilará pelo país, percorrendo estados e municípios e arrombando os cofres raspados, na corda bamba da falência, com governadores e prefeitos de pires na mão estendida para a somítica equipe do ministro Antonio Palocci.

De celebrada usura, que só abre os dedos para a compra do Air-Lula de US$ 56 milhões, a reforma do Palácio Alvorada, as viagens pelo mundo com diárias em euros e demais despesas absolutamente inadiáveis e essenciais.

Estamos brincando com fogo no paiol.

E ninguém tem autoridade para barrar a avalanche da insensatez.

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