Degradante |
Até agora, o PT tem sido malsucedido nas suas investidas contra a democracia. E tem-se dado mal, dentre outras razões, porque ela se fortaleceu e se robusteceu nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso |
Por Reinaldo Azevedo Não digam que Lula não avisou. Ele nos adverte o tempo todo de que não estava e não está preparado para o cargo que ocupa. A afirmação certamente vai enfurecer alguns e chocar outros tantos. Mas se evidencia a partir dos próprios termos em que o presidente da República decide fazer o debate público. Lula está em seu 26º mês de mandato e, até agora, não enfrentou uma única crise sequer. Nada! Ao contrário: havia muito tempo, a conjuntura externa, ainda que com todos os seus desequilíbrios, não era tão favorável ao país. Tão favorável que o governo pode se dar ao luxo de ser irresponsável com o câmbio por exemplo. E, no entanto, Lula e o PT fazem o quê? Vivem a arrumar problemas para si mesmos. Problemas que derivam não da agenda que conhecemos, mas justamente daquela que não conhecemos. Sugiro aos homens responsáveis da República que adicionem à conjuntura do país uma crise externa. Como procederia Lula? Se, com a normalidade sóbria, faz um discurso como o desta quinta, o que não faria sob o efeito da cachaça da crise? Quais alvos escolheria? Banqueiros? Empresários? Exportadores? Os alfabetizados? Os com-dente? As “elite” (sem o “s” mesmo)? Os cristãos-novos deveriam tomar cuidado com sua recém-adquirida bíblia vermelha. Como bem advertiu Augusto dos Anjos, que nasceu, a propósito, numa vila chamada d’O Espírito Santo, “o beijo, amigo, é a véspera do escarro/ a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Desde que assumiu o cargo, este é, sem dúvida, o seu pior momento do ponto de vista do desempenho pessoal. Claro, ele já havia satanizado o governo anterior muitas outras vezes. A rigor, Lula só se justifica e se explica diante de um passado mítico. Um curioso passado mítico que consiste não em magnificar conquistas havidas, mas justamente em escondê-las. Ou se aceita que Lula é o advento, a chance de um “maravilhoso” que está no porvir, ou Lula não se explica, não é mesmo? Mas vá lá, ainda se movia dentro de um padrão rebaixado, mas aceitável – a despeito de desastres muito evidentes que estão em curso e que ainda estão por ser revelados, especialmente na área social. Os Ministérios da Saúde e da Reforma Agrária são provas eficazes, contundentes, inquestionáveis dessa ruindade. Mas agora Lula desceu abaixo do piso do aceitável. Estivesse certo e falando a verdade, teria confessado uma ilegalidade, é claro. Se havia corrupção em qualquer órgão do governo e silenciou, cometeu crime de responsabilidade. Ocorre que o mais provável é que não tenha encontrado nada. A “corrupção” que ele anuncia se inscreve naquela parolagem irresponsável com que o PT sempre atacou adversários, enquanto criava Waldomiros no submundo de sua ideologia regressiva, atrasada, autoritária. E é justamente por atraso, autoritarismo e falta de compreensão do que é uma República que o chefe máximo do petismo faz esse proselitismo de botequim. Tenho cá pra mim que talvez não tivesse, naquele exato momento, a exata dimensão do que fazia e falava. A rigor, não era nem mesmo assistido por um resquício de boa educação, já que estava ali diante do governador Paulo Hartung, diretor do BNDES na gestão FHC. Se caiu num daqueles costumeiros pileques verbais, por outro lado, é bom que se tenha claro que Lula tem, sim, método e está escolhendo um paradigma para a disputa política. E esse paradigma tem um mestre, um líder e um modelo: Hugo Chávez. Estão chocados? É isso mesmo. O protoditador venezuelano, diga-se, queridinho de certa esquerda brasileira e mundial (a última invenção do coronel é dizer que os EUA têm um plano para assassiná-lo), também não é inimigo dos mercados, não, senhor. Muito ao contrário. O risco da Venezuela, por exemplo, está na casa dos 400 pontos, como o do Brasil. E, no entanto, tem-se lá uma sociedade fraturada. O ex-golpista já fez por lá o que, mais de uma vez, Lula já tentou fazer por aqui sem conseguir: usar as próprias instituições democráticas justamente para solapar a democracia. Chávez mobilizou seus bate-paus para, via Parlamento (na verdade, uma Constituinte encabrestada), mudar a natureza do regime de liberdades públicas. No Brasil, os petistas só não transformaram o ex-conselhão de Tarso Genro num Congresso paralelo porque a sociedade brasileira não deixou – tanto é que Tarso foi brincar com fogo e sovietismo no Ministério da Educação. De grande ágora da democracia dos fidalgos do petismo, o tal conselho se transformou em mera sinecura. Tanto melhor. A exemplo de Chávez (que, no seu país, foi bem-sucedido), os petistas também tentaram censurar a imprensa e tentam ainda encabrestar a cultura. O vírus da delinqüência política tornada ação de Estado se imiscuiu na CPI do Banestado, com o famoso disquete da chantagem. Não, senhores! O PT e Lula não querem a harmonia dos Poderes, não querem uma República que viva sob o império de leis impessoais, não reconhecem como legítima a existência da oposição. Lula precisa daquela mesma fratura que Chávez operou nas instituições venezuelanas para que possa, instrumentalizando todas as carências que existem no país, impor a sua agenda. A hidra mostra suas sete cabeças no discurso desta quinta. Sim, essa conversa de apego à economia de mercado, às regras, aos contratos, às instituições é apenas a face visível do demônio freqüentemente invisível, mas muito presente, do autoritarismo. Por enquanto, contenta Lula satanizar FHC e os tucanos porque, a rigor, ele não precisa, não agora, de muito mais do que isso. Mas um país não vive só de morna normalidade. Setores lúcidos do próprio governo sabem bem a vulnerabilidade do modelo. Lula precisa de bodes expiatórios mesmo que a realidade não evidencie pecados a expiar; Lula precisa do linchamento de reputações e biografias, ainda que as circunstâncias não imponham, por si mesmas, esse tipo de espetáculo degradante; Lula investe contra a ordem republicana, jactando-se de ter cometido um crime caso estivesse falando a verdade, embora não haja nenhuma crise evidente. Por que o faz? Porque está na natureza de seu partido. Porque está na sua natureza. Porque está na natureza do arranjo tático que está em curso. Os que agora se sentem “beijados” e “afagados” por Lula (voltem lá a Augusto dos Anjos) têm de saber que estão inseridos numa equação. O PT de mercado tem um encontro marcado com o PT chavista no segundo mandato de Lula – Tarso Genro, enquanto isso, vai tentando fazer os seus ensaios autoritários na universidade. A precondição para que o projeto seja bem-sucedido é conquistar a confiança das “elite”. Até onde elas não atrapalharem a trajetória do Moderno Príncipe, que se quer o ente de razão que vai substituir a sociedade civil e a política, são tidas como parceira nessa trajetória. Se o partido conquistar a condição do imperativo categórico a definir o que é criminoso e o que é virtuoso, tornar-se-ão mera massa de manobra de um projeto de poder. O modelo, claro, é totalitário. O petismo vai conseguir? Acho que não. Espero que não. Mas que se denuncie a tentativa. Até agora, o PT tem sido malsucedido nas suas investidas contra a democracia. E tem-se dado mal, dentre outras razões, porque ela nada mais fez do que se fortalecer e se robustecer nos oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso. Sim, é FHC quem, felizmente, impede que Lula venha a ser aquilo que ele um dia pensou ser. É FHC quem evidencia que Lula é, a um só tempo, a tragédia e a farsa. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, fevereiro 25, 2005
Até agora, o PT tem sido malsucedido nas suas investidas contra a democracia
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