Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 19, 2005

O GLOBO MIRIAM LEITÃO


Hora do espanto

A economia dá sinais animadores por um lado e desconcertantes por outro. Esta semana, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, fez uma palestra no Rio com aquela seqüência de dados conhecidos, que ele renova a cada nova palestra, sempre confirmando os avanços dos últimos meses. Ainda assim, vive-se uma sensação de crise.
No seminário do Globo Online, após a palestra do presidente do Banco Central, fiquei imaginando — imagine também, caro leitor — um economista, destes muito preocupados com a questão macroeconômica, que tenha entrado em coma há 12 anos e acordado esta semana. Ele perguntaria, claro, por ser, como qualquer economista, louco por estes indicadores, percentuais e proporções:


— E a inflação como está?

— Está em 7% — responde o acompanhante.

— Só 7% ao mês. Que ótimo!

— Ao ano! É que faz tanto tempo, você não soube, mas houve um plano que deu certo; a inflação é de um dígito há mais de dez anos.

— Não me diga! Nossa, como sonhei com isso! Felizmente! E estamos crescendo ou em recessão?

— O país cresceu mais de 5% no ano passado. A produção industrial cresceu 8,3% e o comércio teve o maior crescimento em muito tempo; houve criação de emprego e recuperação da renda.

— Esse crescimento não derrubou a balança comercial? Estamos com déficit comercial?

— Ao contrário, nunca exportamos tanto, estamos com um superávit de US$ 34 bilhões nos últimos 12 meses.

— Incrível, o câmbio então deve estar ótimo para o exportador!

— O dólar está um problema, você nem imagina...

— Disparou?

— Não. Despencou.

— Deixa eu adivinhar: é o Banco Central, certamente, fazendo aqueles truques para ter uma moeda artificialmente forte, né não?

— Não, pelo contrário, o Banco Central não pára de comprar dólar para tentar segurar, mas está difícil.

— E o balanço de pagamentos?

— O país está com superávit em transações correntes.

— Maravilha! E a dívida pública?

— Caiu oito pontos percentuais do PIB no último ano.

— Quem é o economista que comanda essa política econômica?

— É um médico.

— E quem é o presidente da República?

— O Lula.

— O Lula, do PT?!

— Calma, é ele sim, mas está tudo bem. Não fizeram moratória, não romperam com o FMI e até aumentaram o superávit primário.

— Não brinca! E o FMI, o que achou da eleição da esquerda?

— Achou ótimo. Estão se dando superbem. Aliás, o Brasil nem está precisando mais de acordo, mas, sabe como é, eles se afeiçoaram, a separação está difícil. E por isso vão renovar o acordo agora.

— É... Tudo mudou muito! Acordo com o FMI num país com superávit de transações correntes, governado pela esquerda. Estranho. Mas me diga, e os juros? Devem estar baixinhos né?

— Ah, os juros aumentaram esta semana para 18,75%.

— Quanto???

— Calma, calma, você precisa descansar. Enfermeira, podia dar uma olhadinha aqui no paciente — diz o acompanhante, tomando uma firme decisão:

— Não vou contar nada do que aconteceu esta semana na Câmara dos Deputados. Poderia ser fatal.

Agora, falando sério

Circula no governo uma lista das taxas de juros reais de 40 países. O cálculo é feito com base na expectativa de inflação dos próximos 12 meses. Nela, há países emergentes e desenvolvidos. No primeiro grupo, estão, por exemplo, México, com 4% de juro real; Turquia, o pior caso depois do nosso, com 9%; Índia, com 3,5%.

— Até a Colômbia, com governo paralelo da guerrilha, tem 1,9% de juro real — disse um revoltado ministro.

Na média dos emergentes, a taxa de juros reais é de 2,1%. Nos desenvolvidos, 0,4%. No Brasil, é de 11,9%. O país fica, de fato, parecendo totalmente fora de compasso no mundo dos juros baixos.

As taxas de juros reais não são determinadas pelo Banco Central, que define apenas a taxa nominal, respondem os dirigentes do BC. E é verdade. Eles argumentam também, com razão, que a inflação não tem dado sinais de queda.

Em parte, isso acontece porque o governo dá sinais opostos. O BC, quando sobe os juros, está informando que a inflação é de demanda e ele quer reduzir o consumo para derrubar a alta dos preços. O governo, aumentando seus gastos, estimula a demanda. Quando cria crédito direcionado a taxas mais baixas, também aumenta a demanda. Quando cria o crédito em folha salarial, informa que quer estimular o consumo.

As medidas são boas em si. Os financiamentos a taxas mais baixas do BNDES ou dos bancos oficiais estão permitindo investimentos que não seriam feitos nas taxas normais do Brasil. O crédito em folha reduz o gigantesco spread bancário e torna o custo do dinheiro um pouco mais baixo para o consumidor. O aperto monetário está sendo aplicado pelo BC porque ele tem que cumprir a meta e, de fato, tudo indica que, até agora, o objetivo ainda não está atingido.

Todo mundo tem um pouco de razão, mas o problema é que, quando se somam, os estímulos econômicos estão se anulando. Ou bem o governo quer estimular o consumo, ou quer conter a demanda. Os estímulos ao consumo estão reduzindo a força da política monetária; a política monetária está aumentando o custo da dívida que o superávit primário tenta diminuir. É o caso do barco com dois remadores, fazendo força em direção oposta. Ele roda e não vai a lugar algum.

O risco não é afundar o barco, mas perder os bons ventos que sopram nas economias brasileira e mundial.

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