PACOTE AMBIENTAL
O governo federal anunciou há seis dias uma medida provisória, seis decretos e um projeto de lei para coibir a violência e o desmatamento na Amazônia. As medidas apresentadas vão na direção correta, mas correm o risco de não sair do papel caso a liberação de verbas e a contratação de pessoal esbarrem no gargalo orçamentário e no esfriamento da vontade política, uma vez passados os efeitos mais contundentes do bárbaro assassinato da missionária Dorothy Stang no Pará.
Apesar dos alertas e dos diagnósticos do meio acadêmico, das organizações não-governamentais, dos meios de comunicação e do próprio escalão técnico do governo, o imobilismo oficial vinha mantendo uma presença apenas simbólica da polícia, do Incra e do Ibama naquela área, entregue à lei do mais forte.
O pacote agora anunciado traz, entre outras medidas, a interdição de 3,8 milhões de hectares na chamada Terra do Meio, entre Altamira e São Félix do Xingu, onde serão criadas duas unidades de conservação florestal. O mesmo vale para outros 8,2 milhões de hectares às margens da rodovia Cuiabá-Santarém. Há ainda o projeto de criação de um órgão para gerir a exploração de madeira, que disciplinaria a atividade e obrigaria os concessionários a reflorestar.
Tal programação tem um custo ainda desconhecido, que o governo federal -responsável por 72% das terras paraenses- precisará bancar. É justamente esse o ponto nevrálgico. O gabinete de crise criado com a justificada repercussão internacional do assassinato da irmã Dorothy se esvaziará se não houver o devido respaldo financeiro para a implementação das políticas anunciadas.
Sem os meios necessários, a "maioridade ambiental" que o país estaria atingindo, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não terá passado de um chavão retórico. O que dará razão às lideranças oposicionistas que vêm classificando o pacote como mais uma mera operação "pirotécnica".
SEM TABUS
Talvez ao ser defendida por um renomado inimigo da heterodoxia, o economista Affonso Celso Pastore, a proposta de utilizar um mecanismo tributário para regular a entrada de capitais de curto prazo no país seja levada em consideração pela equipe econômica do governo petista -avessa a tudo que não se faça acompanhar do "selo de garantia" da opinião conservadora.
Em entrevista ao jornal "Valor Econômico" publicada ontem, Pastore defendeu a incidência de um imposto sobre os capitais de curto prazo, que, atraídos pelas elevadas taxas de juros, ingressam no Brasil em grande volume, gerando distorções e prejudicando a eficácia da política monetária. Na visão do ex-presidente do BC, esses fluxos acabam por impedir que o aumento da taxa de juros básica se traduza em alta do custo do crédito. A medida, portanto, teria como objetivo facilitar a tarefa do BC de esfriar a economia na tentativa de cumprir seu objetivo de inflação.
Esta Folha já teve a oportunidade de apontar a conveniência de o governo debater a adoção de um imposto desse tipo, não por entender que o custo do crédito deva subir, mas por considerar que os desequilíbrios do câmbio poderão mais à frente prejudicar o bom desempenho da balança comercial. Essa também foi uma das preocupações manifestadas pelo referido economista -ao afirmar que "forças não desejáveis" atuam para valorizar o real e que "em algum momento" isso causará "dificuldades" para as contas externas.
Em 14/02/05, lembrou-se neste espaço que, além da redução dos juros, os bancos centrais dispõem de outros instrumentos para conter os fluxos especulativos, entre eles "mecanismos tributários e regras temporárias para capitais não-produtivos de curto prazo". No mesmo comentário, considerou-se que o país deve caminhar na direção de uma economia aberta, mas que isso "não implica abdicar de instrumentos consagrados de defesa contra os efeitos danosos de movimentos especulativos".
Não se trata de pregar a adoção irrefletida de um imposto sobre fluxos de capitais, mas de considerar que essa possibilidade deve ser debatida sem tabus, com vistas a preservar os interesses da economia nacional.
DEMANDAS FISIOLÓGICAS
A aproximação das eleições presidenciais e a vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE) e Renan Calheiros (PMDB-AL) para as presidências da Câmara e do Senado dão início a uma nova temporada de barganhas entre o governo federal e seus aliados. Nesse ambiente, e em meio às gritantes deficiências da articulação do Planalto nas duas Casas, a reforma ministerial precisará acomodar interesses que não estavam, até agora, nos cálculos do Executivo.
Nas palavras de Severino Cavalcanti (PP-PE), o governo vive "trancado" e precisa se abrir, caso contrário sofrerá novas derrotas. O deputado, depois de eleito, já declarou que espera ver seu partido contemplado com um ministério de peso. Até então, o governo imaginava entregar ao PP uma pasta menor.
Às pressões do "companheiro" Severino -na expressão utilizada pelo presidente Lula- juntam-se as de Renan Calheiros no Senado, onde o Planalto acredita estar em situação confortável. A julgar por entrevista concedida por Calheiros, que também considera que o "PT precisa compartilhar o poder", o presidente Lula terá de aumentar a participação dos quadros do PMDB na máquina governamental se quiser contar com o apoio da bancada.
Em período pré-eleitoral, uma advertência como essa ganha tom de ameaça. Nos próximos dois anos, as tensões políticas se acentuarão devido à disputa presidencial, dificultando a aprovação dos projetos de interesse do Executivo. Nesse contexto, o PMDB será fundamental para as pretensões do governo.
Diante de suas ambições eleitorais, não parece haver alternativa ao Planalto senão ceder às demandas fisiológicas. Com isso, o governo do PT vai mais e mais se descaracterizando, perdendo iniciativa e se tornando refém do conhecido jogo de interesses paroquiais do Congresso.
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