Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Folha de S.Paulo - CLÓVIS ROSSI: Os juros e as mortes - 18/02/2005

SÃO PAULO - O vice-presidente José Alencar tem certa razão quando relaciona a onda de violência fundiária no país, principalmente no Pará, à política econômica e de juros adotada pelo governo federal. Poderia até acrescentar que também o episódio dos sem-teto em Goiânia (dois mortos) de alguma maneira está ligado à política econômica e de juros.
Para ser totalmente correta, a análise de Alencar teria de recuar no tempo, porque uma e outra situação (violência no campo, falta de teto) vêm de muito tempo atrás, quando os juros nem eram tão altos (se é que alguém ainda tem memória de juros baixos no Brasil).
O teorema é simples assim: os recursos do Estado brasileiro foram, em boa medida, monopolizados pelos "com", deixando os "sem" com pouco ou com nada (sem teto, sem terra, sem educação, sem saúde, sem trabalho, sem lazer, sem vida, enfim).
A violência no campo ou no episódio de Goiânia é filha direta, mas bastarda, da ausência do Estado não apenas para garantir a lei e a ordem nos rincões mais remotos mas também para garantir a escola e o hospital, pelo menos. Sem saúde e sem educação não há como conseguir empregos dignos e, sem emprego digno, não há renda que permita ter acesso à habitação ou à terra.
É acaciano, eu sei, mas, neste país, até o óbvio precisa ser reiterado uma e outra vez.
Chega-se, então, no caso de Goiás, ao surrealismo: as vítimas (os sem-teto mortos) são também culpados (por invasão de propriedade alheia), assim como os matadores (os policiais militares) são culpados de violência excessiva, mas são também vítimas da reação dos sem-teto a uma ordem judicial de reintegração de posse.
É o enrosco provocado pela miserabilidade do país. Os juros entram como? Simples: se se quiser, algum dia, ter o Estado presente em todo o território e para todos, o país terá de escolher entre pagar a dívida nos termos vigentes ou fazer os investimentos reclamados por Alencar.

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