Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 19, 2005

Folha 19 02 2005 GESNER OLIVEIRA

O efeito Severino GESNER OLIVEIRA

Morre-se de tudo no Brasil, menos de tédio. A surpresa com a vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara abalou a política, mas terá efeito limitado sobre a economia.
É difícil imaginar algo que mude tanto quanto a política. Talvez as nuvens, certamente o futebol. No Campeonato Brasileiro do ano passado, o líder Atlético Paranaense vencia por 3 a 0 o lanterna Grêmio. A vitória praticamente assegurava o título ao time paranaense. O Grêmio empatou em 3 a 3, com dois gols nos últimos três minutos de jogo, o Atlético perdeu dois pontos preciosos e o Santos acabou campeão. Quando ocorreu a zebra Severino na madrugada de segunda-feira, há quem tenha pensado se o campeonato, ou a reeleição, não teria escapado naquele momento.
Mas isso são coisas da política. A economia muda pouco. É errôneo imaginar que a agenda de reformas vá ser bloqueada no Congresso pela falta de sintonia entre o Executivo e a nova presidência da Câmara. É inegável que esta última seja importante fonte de poder. Quem duvidar disso deve ler o artigo 17 do regimento da Câmara dos Deputados, disponível em www.camara.gov.br, que estabelece as atribuições do presidente.
No entanto não se deve exagerar o efeito Severino, por duas razões. Em primeiro lugar, é comum superestimar o apetite reformista do governo, independentemente de quem esteja no comando da Câmara. O processo de mudança institucional já era moroso antes da eleição do deputado Severino Cavalcanti. Apenas vai se tornar mais lento.
A chamada reforma tributária se resume, na prática, à harmonização das legislações estaduais de ICMS e deve ser aprovada em 2005. As reformas sindical, trabalhista e da Previdência já enfrentavam resistências antes da eleição da Câmara. Algo semelhante pode ser dito em relação ao projeto de autonomia do Banco Central. A definição de marco regulatório adequado para o saneamento está muito atrasada e dificilmente avançaria em qualquer outro cenário.
Uma hipótese interessante é a de que a diferença será sentida nos projetos de menor visibilidade. Nos grandes temas prioritários para o Executivo, é possível, em princípio, fechar questão e concentrar esforços para aprovação. No entanto, há uma série de projetos relevantes, cuja complexidade exigiria articulação e sintonia fina entre Executivo e Legislativo. A reforma das agências reguladoras, a mudança na lei de defesa da concorrência, a modernização do marco regulatório do setor de seguros e os projetos de reforma processual associados à reforma do Judiciário são alguns entre vários exemplos nesse sentido.
Em segundo lugar, não se deve exagerar o grau de oposição entre o novo presidente da Câmara e o Executivo. A biografia do deputado Severino Cavalcanti sugere alinhamento com o governo, ainda que não automático. A negociação pode ser mais demorada. A falta de articulação pode dificultar a condução de votações importantes. Mas nada que represente bloqueio definitivo de projetos de interesse do governo. Há, é claro, um custo em termos de velocidade.
O efeito Severino tem, portanto, impacto marginal sobre a economia. Seu interesse deriva antes daquilo que reflete do ponto de vista político. Desde a sabida fragmentação do sistema partidário. Certamente um clima de insatisfação crescente, mas difusa, com as políticas governamentais e em particular com a absurda carga tributária. Até a ausência de programa consistente de modernização e desenvolvimento para o país.

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