Terra de alguém
O governo ganhou o primeiro round no Pará. Esclareceu o assassinato encomendado da missionária Dorothy Stang, botou o Exército para controlar a violência na região e lançou um pacote ambiental que deve contribuir para conter a tensão e regular a exploração da floresta. O Estado marcou presença onde poucas vezes havia botado o pé antes. Não basta, porém, vencer a batalha.
Como em qualquer guerra, depois da conquista começa uma etapa quase tão difícil quanto a anterior: é preciso assegurar a ocupação do território. No caso, cabe ao governo não deixar esmorecer o ímpeto que levou o presidente a reunir onze ministros, cobrar providências e anunciar as primeiras medidas para tentar abrir o barril de pólvora em que se transformou a região.
Agora, não se trata apenas de assegurar os recursos para implementação das medidas que criam áreas de proteção ambiental e restringem a exploração de madeira no Pará ou a punição exemplar do assassinato da irmã Dorothy.
A partir da compreensão de que, naquela terra de ninguém, as questões fundiária e ecológica estão irremediavelmente amarradas, é preciso manter em funcionamento a força-tarefa que uniu ações de diferentes ministérios e órgãos do governo no Pará nos últimos dias.
Grilagem de terras, violência rural e exploração irregular dos recursos da Amazônia são facetas de um mesmo problema, com uma única raiz: o abandono histórico da região — que deve continuar sendo objeto de uma ação contínua e integrada do governo do PT. É por aí que o Exército deve permanecer o tempo que for necessário por lá, a Polícia Federal reforçar a presença e o tema continuar na pauta das reuniões no terceiro andar do Palácio do Planalto.
O maior desafio do governo federal vai estar, sobretudo, no plano político. Até agora, não houve setor capaz de se levantar para defender o indefensável. Ninguém teve coragem de ficar contra a rápida apuração do assassinato da irmã Dorothy, a presença do Exército para conter a violência ou mesmo o pacote de medidas anunciado.
Quem conhece o problema fundiário do Pará de outros carnavais, porém, sabe que a reação não vai tardar. Além de jogar pesado na área, grileiros e madeireiros que exploram irregularmente aquelas terras têm padrinhos políticos, ligações em partidos do governo e da oposição e representantes de seus interesses — ainda que não assumidos — no Congresso.
E é na hora das pressões políticas que a coisa pega. Basta recordar o recente episódio em que os madeireiros acabaram conseguindo convencer o Planalto a rever licenças de exploração no estado, mesmo contra a vontade da ministra Marina Silva e de setores do próprio governo.
É bom lembrar também que algumas medidas do pacote foram baixadas por MP, como a instituição da “limitação administrativa provisória”, o instrumento legal que vai dar base ao decreto de interdição de 8 milhões de hectares na margem esquerda da BR-163. A criação de regras para o uso sustentável das matas e a gestão de florestas públicas, por sua vez, estão previstas em projeto de lei enviado ao Congresso. Ninguém garante sua aprovação sem um esforço mais efetivo do Planalto, ainda mais nestes tempos pós-severinos da Câmara.
Lula e seus ministros agiram de forma inusitadamente rápida para um governo que tem se caracterizado pela falta de prontidão nas horas de crise. O presidente teve sensibilidade para perceber que o assassinato no Pará terá sido, sobretudo aos olhos da opinião pública, episódio infinitamente mais grave do que a derrota política na Câmara. Voltou as baterias para o alvo certo e colherá seus frutos. Mas não pode descansar.
Fora FMI
Agora que o presidente Lula disse com todas as letras que o país não precisa mais de acordo com o FMI, integrantes do governo que até poucos dias atrás continuavam apostando na renovação ou na negociação de um acordo heterodoxo jogaram a toalha. Acham que não vai ter mesmo acordo nenhum, apesar das ponderações cautelosas que o ministro Antonio Palocci tem feito sobre o assunto.
E tem muita gente, no Planalto e na Esplanada, feliz da vida. Não que a turma tenha voltado a levantar os cartazes de “Fora FMI” que carregou nos velhos tempos. Mas alguns acham que, sem o FMI na retaguarda, Palocci tenderia a ter seu discurso enfraquecido. Sobretudo naqueles momentos em que nega recursos aos colegas alegando compromissos com o Fundo. É ver para crer...
Entrevista:O Estado inteligente
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