NOVA YORK. A crise boliviana pode chegar a seu ponto de ruptura máximo neste fim de semana, quando a medição de forças pode definir um vencedor dessa disputa de poder que se desenrola já há alguns meses.
O governo boliviano não conta com a possibilidade de ser apeado do poder, e em suas análises o máximo que admite é o país ficar dividido em duas partes, passando a existir “não mais um Estado e dois sistemas, mas dois estados com seus respectivos sistemas sociais e culturais como suas zonas de influência”. De um lado, um estado indígena comandado por Evo Morales, de outro os governadores dos estados mais ricos Santa Cruz, Pando, Beni, Tarija, que hoje defendem o separatismo. A análise é do sociólogo boliviano Cesar Rojas Rios, que tem ligações políticas com o governo de Evo Morales.
A vitória da oposição seria a vitória do separatismo da região conhecida como “Meia Lua”, a região mais rica do país, onde estão concentradas as reservas de gás, e que se opõe à chamada Constituição de Oruro, que lhes retira a autonomia que já têm, e querem ampliar.
Se vencer o governo, a unidade do país estaria resguardada, mas, como define Cesar Rojas Rios, não haverá lugar para as ambigüidades que até hoje dominam a política boliviana: “Entraremos na fase de unilateralização da História, todos os vagões políticos seguirão na mesma direção”.
Esse conflito político que se desenvolve na Bolívia desde a posse de Evo Morales é na verdade uma disputa de poder que ficou dividido entre o poder político, açambarcado por Evo Morales, e o poder econômico, manipulado pelos políticos e empresários da “Meia Lua”.
A nova oposição sempre tentou reduzir ao máximo a mudança de poder, com o processo autonomista se desenvolvendo paralelamente ao processo indígena, como uma maneira de neutralizálo, sem um ponto comum que pudesse uni-los.
O governo de Evo Morales se considera em um processo revolucionário “dentro da democracia”, e tentou diversas vezes, através de uma Assembléia Constituinte, a exemplo de seu “protetor” Hugo Chávez na Venezuela, definir limites mais amplos para o seu poder, reduzindo o das regiões oposicionistas que, por sua vez, partiram para o referendo autonomista.
O conflito desatou suas forças e está maduro para gerar conseqüências inevitáveis, segundo Cesar Rojas Rios. No ponto em que o confronto se encontra, “os acontecimentos se sucederão cada vez com maior intensidade e velocidade”.
A manifestação de poder da oposição, que já assumiu o controle de 38 entidades governamentais e quatro aeroportos, faz com que o governo tenha que responder “em igual nível ou então mais alto”, se puder. Ou aceitar a capitulação.
A tentativa de negociação entre o prefeito de Tarija e enviados do governo Morales era vista ontem com pessimismo pelo próprio governo, que acha que cada uma das partes espera a rendição do adversário. Cesar Rojas Rios acredita que o conflito terá um final “violento e definitivo”, e a crise será contada não em dias ou semanas, mas em horas.
O papel brasileiro na crise seria o de garantir que a democracia não seria afetada ao final e que os Estados Unidos não venha a ter uma atuação direta ao lado dos oposicionistas.
O cientista político Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes, acha que situação real está cercada por “muita guerra de palavras, muitas ações diplomáticas encobertas e de bastidores e pouca ação firme para encontrar soluções democráticas aos graves problemas que extrapolam o plano nacional na Bolívia”.
Brigagão vê “um caldeirão de impasses, ora provocados pelo próprio Evo Morales, ora pela oposição dos governadores e de movimentos nada claros da chamada Meia Lua, posições radicais do bufão Chávez — que não encontra soluções para os problemas internos e lança-se com fúria contra os EUA, que, por sua vez, não estão atuando de maneira a contornar a gravidade da crise boliviana”.
Ele considera que o Brasil atua “com ambigüidade” na crise, ambigüidade que não corresponde aos “interesses cruciais pela importação maciça de gás da Bolívia”. Também chama a atenção de Brigagão “a ação retardatária — pois a crise boliviana já tem tempo — do Grupo de Amigos (formado pelo Brasil, Argentina e Colômbia), e a falta de coordenação regional que deveria ser implementada pela OEA e pelo Grupo do Rio”.
A influência de Hugo Chávez na crise, expulsando o embaixador americano “em solidariedade”, é um ponto a considerar. O sociólogo francês Alain Touraine, por exemplo, avalia que a influência do regime chavista sobre o governo de Evo Morales torna uma incógnita o desenvolvimento da democracia na Bolívia. Na análise de Touraine, a capacidade de governabilidade da Bolívia é fraca, a coerência das decisões nem sempre existe.
A grande influência de Chávez poderia ser compensada por uma relação econômica maior com o Brasil, permitindo que a Bolívia participasse do mercado mundial, mas o Brasil tem sido ineficaz nessa atração da Bolívia, que hoje é um satélite político da “revolução bolivariana”.
Cesar Rojas Rios admite que a influência do presidente venezuelano às vezes pode ser um fardo para Evo Morales, mas diz também que o fato de, nos momentos difíceis, contar com o apoio explícito de Hugo Chávez tem se mostrado fundamental. Seja assinando um cheque, seja anunciando apoio até mesmo militar, como agora.
A interferência de Chávez pode aumentar a tensão, mas, na avaliação de Cesar Rojas Rios, que corresponde à visão governista, coloca os dois lados com apoios claros, os Estados Unidos ao lado dos separatistas, mesmo que não explicitamente, e a Venezuela explicitamente ao lado do governo. Continua amanhã
E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br
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