Especial A bolha imobiliária
Donos da casa desesperados
Americanos mergulharam na euforia do crédito barato
e se endividaram como nunca. Com o estouro da bolha
imobiliária, milhares de famílias acabaram despejadas
Cíntia Borsato
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Não fosse o espetacular aumento do crédito nas duas últimas décadas, a economia americana não teria vivido um de seus períodos mais gloriosos de crescimento econômico. A criação de novos tipos de financiamento, a partir do fim da década de 70, permitiu que os mais pobres pudessem comprar a casa própria e que as famílias de classe média conseguissem bancar o ingresso de seus filhos em universidades de ponta, antes restritas aos mais ricos ou aos poucos que obtivessem uma bolsa de estudo. Isso ajuda a entender por que o PIB per capita do país mais que dobrou desde 1988, aumentando de 21 000 para 46 000 dólares. Mas, nos últimos anos, o endividamento dos americanos fugiu do controle. Estimulados pelas taxas de juro historicamente baixas e pela facilidade de fazer um financiamento, os consumidores afogaram suas contas fundo, bem fundo no vermelho: cada família do país deve em média mais de 100.000 dólares, e o valor poupado anualmente não era tão baixo desde a Grande Depressão, há sete décadas (veja o quadro). Esse desequilíbrio foi catapultado pelo estouro da bolha imobiliária, que desencadeou a crise financeira atual.
O alicerce do aumento contínuo do crédito nos Estados Unidos residia na idéia de que o preço das casas nunca cairia – algo que acabou se provando enganoso. Ano após ano, de fato, o preço dos imóveis vinha se valorizando continuamente nos Estados Unidos. Como os juros estavam muito baixos e as condições econômicas sopravam a favor, as pessoas que não tinham casa própria foram estimuladas a fazer um financiamento. Além disso, quem já possuía uma casa comprou uma maior ou adquiriu outra na praia. A valorização dos imóveis dava às pessoas a sensação de que elas estavam mais ricas, incentivando-as a gastar ainda mais. Houve também aqueles que refinanciaram suas antigas hipotecas, embolsando algum dinheiro na transação. E esse dinheiro foi poupado? Não, acabou sendo consumido na compra de carros, computadores e, lógico, móveis e eletrodomésticos para equipar os novos lares. Essa conta ficou insustentável. Diz Aldo Musacchio, professor da escola de negócios da Universidade Harvard: "Os americanos gastaram demais nos últimos anos, com o cartão de crédito e por meio de empréstimos bancários. Esse consumo foi inflado graças aos juros baixos, à estabilidade econômica e à alta liquidez no mercado financeiro". Agora chegou a hora da ressaca. O estouro da bolha imobiliária deixou um estoque enorme de casas sem comprador. Os preços começaram a cair, algo que não ocorria desde a década de 30. O efeito disso, até agora, é uma desvalorização de 20% no preço dos imóveis. Os americanos descobriram-se de repente mais pobres. Em muitos casos, o valor da casa ficou inferior ao da dívida. Desde o início deste ano, 1,7 milhão de famílias foram despejadas. Além disso, 40% das pessoas enfrentam dificuldades para sanar a fatura dos cartões de crédito, contra apenas 6% na década de 70.
É certo que não há crescimento econômico sem crédito. Mas também é evidente que não se pode progredir indefinidamente sem que haja poupança – e isso vale também para países, e não somente para famílias