Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 30, 2008

Está tudo errado, diz Fernandes



Heloisa Magalhães
Valor Econômico
30/9/2008

Para o empresário Luiz Cezar Fernandes o pacote de apoio ao sistema financeiro americano estava "todo errado" e ele diz que não se surpreendeu com a rejeição no Congresso dos EUA que, segundo ele, foi movido fundamentalmente por razões "ideológicas".

Fernandes, que ajudou a criar o banco Pactual, hoje adviser em grandes negócios e investidor na área de tecnologia, acha que o cenário ficou ontem mais grave. Avalia a crise como " sistêmica" e que está se tornando "um castelo de cartas" com a quebra sucessiva de bancos de diferentes portes.

"Está faltando um cara macho", diz referindo-se à necessidade de buscar saídas mais ousadas e criativas. Diz que os EUA deveriam adotar o mesmo comportamento do crack da bolsa em 1929. Na época "sentaram-se na biblioteca de Wall Street" financistas e banqueiros liderados por John Pierpont Morgan Jr (filho do criador do J.P.Morgan) e dali saíram várias propostas.

Agora, Fernandes sugere a adoção do mesmo modelo reunindo numa mesma sala Jamie Dimon e J.C. Flowers. Dimon executivo-chefe do JPMorgan Chase teve participação criativa e fundamental no processo de compra do Washington Mutual (WaMu), que estava em mãos das autoridades reguladoras dos Estados Unidos. E Flowers, por sua vez, voltado para fundos de "private equity" e também com perfil inovador, foi decisivo na aquisição do Merrill Lynch pelo Bank of America.

Em conversa com o Valor, o ex-banqueiro avaliou a crise.

Valor: Por que os mercados reagiram tão mal ao pacote americano já na abertura das bolsas?

Luiz Cezar Fernandes: Reagiram mal com muita razão. O pacote estava todo errado. Como se está numa crise sistêmica não adianta dizer vou fazer, tem que fazer. Como funciona a crise sistêmica? Começa o boato do banco A, o banco A morre e o boato passa para o B, que morre, e passa para o C e assim vai sucessivamente. Já foi o Bears (Stearns), foi Lehman, o Merrill Lynch foram os outros pequenos e médios que não são noticiados. Esse processo vai continuar. O pacote não resolveria, da maneira como estava formulado.

Valor: O que deve ser feito?

LCF: Um dos caminhos é dar garantia aos bancos para levantar recursos pelos seus próprios meios para continuar funcionando e não dizer que vai comprar títulos podres. Seria mais prudente criar uma fiança bancária para tomar crédito uma vez que não tem crédito no mercado. Se o governo americano tivesse entrado ontem no mercado comprando US$ 700 milhões virava a mesa. A ideia das parcelas com autorização do Congresso não dá certo. É como o lançamento de ações que dá errado depois a empresa não consegue voltar ao mercado. O Congresso vai ter de repensar e buscar um outro caminho. Vai precisar de muita criatividade e gente com cabeça boa para resolver.

Valor: Que caminho o sr. sugere?

LCF: Está faltando o JPMorgan que na década de 1930 colocou um grupo na biblioteca de Wall Streret e disse: "Só saímos daqui quando encontrarmos uma solução". Jamie Dimon e J.C. Flowers deveriam ficar trancados numa sala com outras pessoas bem preparadas e buscarem uma solução. Eles têm condições de discutir uma solução clara, sentar na sala com 10, 15 caras e discutir. O Flowers acompanhou todos os pepinos mundiais e o Dimon viu a crise antes dos outros, se preparou e quando ele viu que ia dar zebra decidiu não cobrir o Bears. A melhor proposta não vai sair do Congresso.

Valor: Com o agravamento a crise vai contaminar o resto do mundo mais rápido do que esperava?

LCF: Como cada dia é um banco nunca se sabe qual vai ser o próximo. Os países que estão mais isolados, como o Brasil, por exemplo, têm uma corrida de investidores. Há também corrida para papéis de renda fixa do Tesouro americano, o que acho que é uma insensatez. Se o país está em crise, por mais que os Estados Unidos sejam fortes, não é lá que eu vou aplicar.

Valor: O senhor escreveu em abril artigos alertando que a crise americana, muito antes de tomar a dimensão das últimas semanas, viria dificultar o acesso ao crédito.

LCF: De todas as crises que passamos essa é a que estamos em melhor situação. Mas a velocidade mudou. Uma coisa é ter uma gripe e outra é uma pneumonia aguda. Vamos ter restrição ao crédito muito mais grave do que está hoje. O Banco Central não pode deixar o dólar disparar. O Banco Central tem que tomar a iniciativa de dar redesconto para os bancos financiarem as exportadoras. Tem que dar redesconto e não liquidez senão os bancos guardam dinheiro. Tem que dizer: quem tiver dificuldade de renovar suas linhas vem aqui que o Banco Central renova, seja de empréstimo ou de exportação. Na realidade temos hoje de US$ 28 bilhões de linhas de crédito totais para o sistema financeiro e US$ 200 bilhões de reservas. Mesmo que financie os US$ 28 bilhões sobra US$ 170 bilhões de reserva e não deixa o sistema financeiro parar.

Valor: O que vai acontecer no mercado financeiro internacional? Acabam os bancos de investimento definitivamente?

LCF: Já acabaram. O mercado já tentou o hedge fund e o private hedge fund. Mas ambos estavam muito baseados na mesma filosofia, na alavancagem. E são muito mais limitados. Só não sofreram corrida porque os prazos de resgate dos hedge funds são longos, então ninguém pode sacar ainda. Foi destruída uma filosofia e para surgir um novo processo mais criativo vai demorar 20 anos. A criatividade estava nos bancos de investimento. A evolução do mercado financeiro mundial se deve aos bancos de investimento. Os bancos comerciais são paquidermes: "o que está no manual eu faço o que não está eu não faço".

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