É isso o que explica a assinatura, a quatro dias do referendo, do decreto de "estado de emergência preventiva" que, a pretexto de evitar um provável colapso do fornecimento de energia no país, fechou as operações da Odebrecht no Equador, congelou seus ativos e suspendeu direitos constitucionais de quatro cidadãos brasileiros, executivos daquela empresa, proibindo-os de deixar o país. Além disso, o presidente Rafael Correa mandou unidades do Exército, especializadas em operações especiais, ocuparem os escritórios e canteiros de obras da construtora. Também ameaçou não pagar um empréstimo de US$ 200 milhões, contraído para a construção da Hidrelétrica de San Francisco.
Essa usina, construída pela Odebrecht, foi entregue em julho de 2007, nove meses antes do prazo fixado e, no dia 6 de junho último, teve de deixar de operar porque apresentava problemas estruturais. A Odebrecht se dispôs a fazer os consertos necessários e, como o projeto da obra é do governo equatoriano, propôs que a responsabilidade pela paralisação do fornecimento de energia fosse definida por arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, como prevê o contrato entre a construtora e o Equador. Para tanto, faria uma caução de US$ 43,8 milhões.
Mas não interessava ao presidente Rafael Correa resolver uma questão comercial pelos meios regulares. Ele precisava criar um factóide para ampliar sua base de apoio. Já havia usado essa mesma tática, nos primeiros dias de seu governo, quando escolheu dois "inimigos externos" para combater. Os primeiros foram o FMI e o Banco Mundial, ameaçados de um calote que nunca ocorreu. O segundo foi a Petrobrás, que tinha a concessão de dois campos de petróleo na Amazônia equatoriana, dos quais finalmente teve de abrir mão.
O presidente Rafael Correa considera que a intervenção na Odebrecht não terá repercussões negativas sobre o relacionamento entre o Equador e o Brasil. Afinal, o chanceler Celso Amorim declarou - à semelhança do que fizera quando Evo Morales mandou tropas para as refinarias da Petrobrás, na Bolívia - que o governo equatoriano tem o direito de proibir a atuação da construtora no país. E o Itamaraty não esboçou a menor reação à aberrante violação dos direitos de quatro cidadãos brasileiros, dois dos quais estão refugiados na embaixada em Quito.
Em Nova York, onde estava para a sessão de abertura dos trabalhos da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com a calma paternal que tem exibido quando interesses brasileiros legítimos são afrontados pelos hermanos, bolivarianos ou não. Disse não estar preocupado com a ameaça do calote ao BNDES e acrescentou que esperava um telefonema de Rafael Correa para conversarem como "dirigentes civilizados". Como sempre, nessas ocasiões, usou a metáfora do irmão mais velho. O Equador seria o "irmão menor", que, mesmo sem razão, fica fazendo cobranças ao mais velho, que precisa encarar a situação com paciência. Finalmente, lembrou que "no Equador há eleições domingo. Vamos deixar a bola passar para resolver esse problema. Esse é o papel do Brasil".
Não é. A excessiva tolerância do governo petista aos abusos cometidos por governos populistas da região contra empresas e interesses brasileiros quando muito pode ajudar os "irmãos menores" a ganhar eleições. Mas Lula não foi eleito presidente do Brasil para isso. Cabe-lhe zelar, em primeiro lugar, pelo interesse nacional, exigindo que o Brasil seja respeitado de fato pelos países vizinhos. Hoje, os populistas que controlam os países da vizinhança vêem o Brasil como um gigante de pés de barro, que pode ser desafiado à vontade, pois tem uma paciência inesgotável para aceitar desaforos e tolerar esbulhos.
Já passou da hora de perder a paciência.