Ex-presidente do BC diz que tentar preservar o crescimento pode ter um custo alto em meio à crise financeira global
Segundo ele, situação econômica já não seria fácil com aprovação de pacote, rejeitado por questões políticas em ano eleitoral
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos, afirma que não é hora agora de o Brasil privilegiar o crescimento econômico. De acordo com ele, o governo tem de adotar uma posição conservadora e, se possível, pensar numa agenda de reformas para tornar ainda mais sólidos os fundamentos da economia.
Ao analisar a rejeição ao pacote de salvação das instituições financerias, Armínio diz que foi uma decisão política, num ano de eleições nos Estados Unidos. O problema, segundo ele, é que o mundo vive uma crise sistêmica e essa situação exige resposta rápida.
"Com o pacote a situação já não ia ser fácil. Sem o pacote, fica muito perigosa", afirma.
FOLHA - Qual a sua interpretação para a rejeição ao pacote?
ARMÍNIO FRAGA - São coisas de um ano de eleição. O problema é que estamos vivendo hoje claramente uma situação de crise sistêmica que requer uma resposta rápida. Qual vai ser e quando vai ser, está difícil de prever. O que se sabe é que, quando mais demorar, pior fica.
FOLHA - O sr. acredita na hipótese de o pacote ainda ser aprovado?
ARMÍNIO - Em tese, essa aprovação deveria ser uma coisa relativamente rápida, mas neste momento político, de eleições nos Estados Unidos, é um movimento complicado.
FOLHA - A que o sr. atribui o fato de o pacote não ter sido aprovado?
ARMÍNIO - O povo americano é contra a operação. Talvez não tenha entendido a repercussão da não aprovação do pacote. O pacote talvez não tenha sido defendido como a maioria gostasse que fosse, e deu no que deu. Amanhã [hoje] é feriado [judaico] nos EUA e imagino que vá se discutir o que se fazer e se negociar alguma coisa.
FOLHA - O que pode acontecer se o pacote não for aprovado?
ARMÍNIO - Mesmo com o pacote, a situação já não ia ser fácil. Sem o pacote a situação fica muito perigosa. Os sinais de falta de liquidez, de desconfiança e de maior prêmio de risco no mercado são enormes.
FOLHA - Por que o Brasil tem sentido tanto os efeitos da crise?
ARMÍNIO - Esse é o preço que o Brasil paga por ter sido o favorito dos investidores externos. Na hora em que ocorre um problema como esse, acaba apanhando mesmo. O grande problema hoje é que as linhas de financiamento ficaram mais escassas. Mas nunca ninguém teve a ilusão de que o Brasil fosse ficar imune, mas a situação atual não é nada comparável a outros momentos do passado. Em outros momentos, o impacto foi devastador.
ARMÍNIO - O governo tem de adotar uma posição conservadora e aceitar que, nessas circunstâncias, o país não pode ter a expectativa de repetir o crescimento deste ano que está terminando agora. Quando o vento está a favor, o país pode correr numa determinada velocidade, mas quando está contra não tem muito jeito. Se tentar preservar demais o crescimento, terá um custo para o país. Mas, no geral, o governo tem agido de forma consciente. Não vejo razão para achar que o governo vá inventar moda agora. Se falou um pouco em expandir o crédito, o que só é defensável agora se for para produção e desde que não se fala de maneira exagerada. Eu recomendaria agora alguma prudência. Seria bom também a essa altura do jogo uma agenda de reformas e de se pensar em algumas medidas na área microeconômica, mas isso eu acho que é querer demais.