O governo chinês, tendo uma infinidade de razões para manter o seu proveitoso relacionamento com os EUA, sem prejuízo da expansão de suas transações com a Venezuela, não só guardou profilática distância das fanfarronices de seu hóspede, como fez questão de deixar isso cristalinamente claro. Antes mesmo de Chávez se reunir com o presidente Hu Jintao, a chancelaria chinesa já foi avisando que "nossas relações bilaterais não têm a ideologia como base e não afetarão os laços com nenhum outro país".
Depois, quando o falastrão bolivariano mencionou numa entrevista uma possível compra de 24 aviões chineses K-8 para a Força Aérea venezuelana, no quadro de um acordo de cooperação militar entre os dois países, o desmentido foi cabal. "Posso assegurar que durante a sua visita não falamos de assuntos militares", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, acrescentando, com malícia, não ter certeza de que cooperação falava Chávez. Já em Moscou - onde desembarcou pela segunda vez em dois meses -, o clima era outro.
Para a Rússia, o caudilho é um achado. Para começar, trata-se de um cliente rico e gastador. Entre 2005 e 2007, assinou com o Kremlin 12 contratos de compra de armas, no valor de US$ 4,4 bilhões. Agora, recebeu um financiamento adicional de US$ 1 bilhão para o mesmo fim. A indústria bélica russa, resgatada do sucateamento pelo ex-presidente (e atual primeiro-ministro) Vladimir Putin, só tem a se rejubilar com o negócio e o prestígio que o acompanha. Além disso, a gigante energética russa, Gazprom, está para iniciar operações de extração de petróleo e gás no Golfo da Venezuela, em parceria com a PDVSA. "Será o maior consórcio petrolífero do planeta", gaba-se Chávez.
Um item mais sensível acaba de entrar na lista - o acordo nuclear (para fins pacíficos) que Putin anunciou ter proposto a Chávez, sem entrar em detalhes. Recentemente, em represália à invasão da Geórgia e ao reconhecimento unilateral russo da independência dos seus enclaves separatistas Abkházia e Ossétia do Sul, a Casa Branca congelou um projeto de acordo de cooperação no setor que abriria a Moscou as portas do mercado nuclear americano.
Putin serve-se da Venezuela para mostrar aos EUA que a estabilidade econômica e política da Rússia lhe permite se fazer presente em regiões além de sua tradicional esfera de influência.
"A América Latina está se tornando um elemento óbvio na construção de um mundo multipolar", disse ele a um deliciado Chávez, numa evidente mensagem a Washington. "Daremos cada vez mais atenção a esse vetor de nossa economia e política externa." Especialmente por seus aspectos militares, a aproximação com Caracas é o troco à decisão americana de instalar um sistema de escudos antimísseis na Polônia e na República Checa e de apoiar o eventual ingresso da Geórgia e da Ucrânia na OTAN, a aliança militar ocidental. Uma semana antes da viagem de Chávez, a Rússia despachou dois bombardeiros de longo alcance TU-160 para "vôos de treinamento" sobre águas venezuelanas no Mar do Caribe.
Em resposta à movimentação de navios de guerra americanos no Mar Negro em agosto - um deles chegou a atracar no porto georgiano de Poti -, está a caminho do Caribe uma frota capitaneada por uma das maiores belonaves do mundo, o cruzador nuclear Pedro, o Grande, para exercícios conjuntos com a Marinha venezuelana. Chávez não cabe em si. "A Rússia está conosco, somos aliados estratégicos", exultou em Moscou, repetindo uma expressão que ainda não se ouviu de Putin - e dificilmente se ouvirá, porque isso seria levar longe demais o seu contencioso com os EUA.