Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 24, 2008

Celso Ming - Preço de liquidação




O Estado de S. Paulo
24/9/2008

A perguntinha intrigante feita por esta coluna no mesmo dia em que foi anunciado o pacotão salvador do secretário Henry Paulson continua desafiando o mercado e os políticos americanos:

Por que preço serão comprados os títulos micados em poder dos bancos?

Em depoimento no Congresso, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, deu ontem duas dicas. A primeira: os preços serão mais próximos do seu valor de face (hold-to-maturity prices) do que os que prevaleceram na marcação a mercado (valor de mercado). E, segunda dica, serão realizados leilões reversos que definirão os deságios: o Tesouro apresentará determinada quantia em dinheiro e os bancos definirão o que pretendem repassar àquele valor.

Bernanke comparou tudo a um leilão de obra de arte na Sotheby’s. Enquanto não acontece, ninguém tem noção de quanto vale o quadro. O leilão define o preço. Assim também será com os ativos financeiros.

Ontem a Bloomberg lembrou que, em julho, o Merrill Lynch repassou para os tomadores da hora um lote de ativos financeiros por nada menos que um quinto do seu valor de face. Por que o precioso dinheiro do contribuinte não deve ter o mesmo tratamento e, em vez disso, terá de pagar um preço próximo do valor de face por títulos que, afinal, estão sendo chamados de ativos de lixo (trash assets)?

Duas são as questões em jogo. Sem pretender dar a elas ordem de importância, o pacote de Paulson vai tentar estancar a desvalorização das hipotecas e, ao mesmo tempo, parar a hemorragia do patrimônio dos bancos.

O problema das hipotecas é conhecido. Os preços dos imóveis estão em queda livre há 18 meses. Chega o dia em que o mutuário não agüenta mais pagar um financiamento 30% ou 40% mais alto do que o valor do imóvel e, sem muita conversa, o devolve. Ao banco não sobra opção que não seja a de colocá-lo à venda. Mas são tantos os imóveis à venda que seu preço não pára de cair, o que leva à desistência, à execução da hipoteca pelo banco e aos lances seguintes. A partir do momento em que passar a pagar mais pela hipoteca, o Tesouro espera romper o círculo vicioso.

O problema dos bancos é a enorme perda de patrimônio, como ilustrado no caso do Merrill Lynch. Ou, nos casos em que não houve venda, a desvalorização dos ativos (write-downs) nos balanços das instituições financeiras. Se fossem obrigados a se desfazer dos seus ativos aos valores a mercado (preços de lixo), os bancos se descapitalizariam irreversivelmente e, assim descapitalizados, ou quebrariam ou não estariam em condições de voltar a operar no crédito e, portanto, deixariam de contribuir para o giro da roda do consumo e da produção.

A aposta da dupla Paulson-Bernanke é a de que, uma vez posto o pacote no circuito, a crise acabará por se dissolver, o valor de mercado dos ativos se recuperará e, quando isso ocorrer, o contribuinte terá o dinheiro de volta.

Se funcionar, Paulson e Bernanke serão guindados à categoria de gênios da economia. Se der tudo errado, o imaginário popular se encarregará de remetê-los ao inferno da história. Difícil aí que prevaleça a alternativa de um purgatoriozinho.

Confira

Credor líquido - O gráfico mostra a inversão de sinal da dívida externa brasileira em relação ao PIB. Não foi só a dívida externa que encolheu. Foram também as reservas externas que aumentaram e tornaram a dívida líquida insignificante.

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