O Globo |
24/9/2008 |
A crise econômica internacional já está incentivando a criatividade do mundo financeiro e faz crescer a pressão para a volta à discussão dentro do governo de um tema polêmico: a anistia para o repatriamento de dinheiro hoje no exterior, onde se calcula que existam entre US$100 bilhões e US$250 bilhões pertencentes a brasileiros, sem o registro oficial na Receita Federal. Um volume de dinheiro que pode equivaler às nossas reservas internacionais. Esse montante está à procura de uma legalização, diante das dificuldades cada vez maiores para ser movimentado, devido à legislação internacional mais rígida tanto para coibir a lavagem de dinheiro quanto o financiamento ao terrorismo internacional. E, com as investigações da Polícia Federal atingindo potencialmente a todos no Brasil, inclusive com escutas telefônicas, não apenas a movimentação desse dinheiro tornou-se perigosa, mas até mesmo falar sobre ele. Na definição de um banqueiro brasileiro, a maior parte desse valor está "esterilizada" no exterior. Se apenas metade do dinheiro que está fora regressar, as reservas cambiais brasileiras ganhariam reforço de US$50 bilhões a US$100 bilhões. A previsível escassez de financiamentos nos próximos anos já faz com que haja uma ampla movimentação de setores financeiros tentando convencer o governo de que a repatriação desse enorme volume de dólares de brasileiros poderá suprir as necessidades do país nos anos difíceis que se avizinham. Ao mesmo tempo, poder aplicar no mercado financeiro de emergentes, especialmente o brasileiro, parece ser uma perspectiva mais atrativa do que o mercado internacional. Já hoje estima-se que boa parte desse dinheiro que está entrando em investimentos nos mercados internos é de brasileiros, que investem oficialmente como se fossem estrangeiros, através de uma off-shore. O que torna o investimento duplamente ilegal quando feito através de fundos que não podem ter investidores brasileiros, como o que o banqueiro Daniel Dantas dirigia e está sendo investigado. Quando o ministro da Fazenda era Antonio Palocci, a anistia a esse dinheiro enviado e mantido de maneira ilegal no exterior chegou a ser estudada, mas a CPI do Banestado, em 2003, onde as contas CC-5 criadas pelo Banco Central da gestão de Gustavo Franco foram demonizadas, criou um ambiente político refratário ao tema. O fato é que parte desse dinheiro saiu durante a campanha eleitoral de 2002, com medo de uma vitória de Lula, que já se dissipou completamente, mas não apenas isso. O Brasil, até 1994, teve uma fase sem regras do jogo estáveis, havia sempre o receio de um choque, e as pessoas tinham medo, principalmente em início de governo. E esse receio já foi muito maior, desde a primeira disputa presidencial de Lula, em 1989. Quem não se lembra do então líder empresarial Mário Amato, que disse que milhares de empresários fugiriam do país caso Lula vencesse? Os milhares de empresários não fugiram, mas muitos milhões de dólares certamente sim, e curiosamente escaparam do confisco promovido pelo Plano Collor. São recursos que saíram do país ao longo do tempo, e em muitos casos tiveram origem honesta, mas foram enviados para paraísos fiscais de forma ilegal. Quanto maior o controle cambial, maior a percepção da fragilidade da economia e maior a evasão de divisas, as leis econômicas ensinam, alegam os defensores da abertura dos mercados financeiros. Por isso, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso existe uma tendência de o Banco Central liberar a circulação de dinheiro. O objetivo final seria a conversibilidade do real, dar transparência às operações financeiras e tranqüilidade ao investidor, uma demonstração de que a política econômica caminha na direção da liberação e não do controle do câmbio. Várias medidas foram tomadas ao longo do tempo para liberar a circulação de dinheiro, e as contas CC-5, objeto de investigação daquela CPI, são um canal legal para as remessas ao exterior. O Banco Central considera que tem condições de controlar esse fluxo de capital e, segundo o governo, existem mecanismos de fiscalização suficientes para garantir que eventuais utilizações de instrumentos legais para enviar ao exterior dinheiro sujo sejam coibidas. O governo aceitaria a reinternação do dinheiro sem que fosse necessário explicar a origem, e anistiaria o pagamento do imposto de renda devido, cobrando uma multa que poderia ser de cerca de 5%. Muito dinheiro sujo seria legalizado dessa maneira, admitem os defensores da medida, mas alegam que os benefícios para o país seriam compensadores. O Brasil, em 1964, Itália e Alemanha, mais recentemente, fizeram também esse movimento, e autoridades brasileiras estudaram os mecanismos usados nos outros países. No governo Castelo Branco, em 1964, foi decretada uma anistia geral durante quatro meses, através do artigo 82 da lei 4.506, que criou a correção monetária. Naquela ocasião, o ministro da Fazenda era Roberto Campos e o do Planejamento, Octávio Gouvêa de Bulhões, e a anistia dispensou a multa, mas cobrou Imposto de Renda do dinheiro que retornou. A Itália fez o mesmo em 2001 na operação chamada "escudo fiscal", que cobrou 2,5% de imposto de renda para o capital repatriado e lucros futuros. Entre 60 e 80 bilhões de euros entraram no país no período de um ano. Hoje no Brasil, a grande preocupação é a validade das anistias, que podem ser contestadas na Justiça, dentro da própria Receita Federal, onde o sindicato dos auditores fiscais já se manifestou contrário à medida quando foi estudada em 2003, e pelo Ministério Público, que pode entrar com uma ação contra a decisão do governo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 24, 2008
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