O Estado de S. Paulo |
30/9/2008 |
Se ainda não se pode chamar de pânico, o que aconteceu ontem nos mercados pode ao menos afirmar que foi um ensaio disso. Na semana passada, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, repetia que a rejeição ao pacote abriria a temporada para a crise sistêmica, ou seja, para a quebradeira bancária nos Estados Unidos e nos países ricos, situação em que o dinheiro do depositante pode ir para o ralo. Como o pacote foi rejeitado pela Câmara dos Representantes, a pergunta agora é se Paulson tinha razão ou se não teria abusado de argumentos terroristas para arrancar o voto dos políticos. A resposta está prejudicada pela sublevação política dos representantes do povo americano. As lideranças no Congresso foram atropeladas por projetos eleitorais particulares e isso sugere que não dá mais para confiar no que decidem em nome das bases. Quem garantirá que a rejeição será revertida ou que algo melhor será colocado no lugar? A arquitetura do plano Paulson-Bernanke, rejeitado contra a aposta majoritária, tinha em vista uma solução de atacado para uma crise que se desdobraria no varejo. O governo não pode assistir parado à ação das labaredas. Sem a autorização ampla, terá de se desdobrar para atacar os focos à medida que aparecerem. E, ainda ontem, antes de o plano ser votado, o mercado soube de pelo menos mais quatro casos de quebra bancária, todas na Europa: a do inglês Bradford & Bingley; a do alemão Hypo Real Estate; a do belga-holandês Fortis; e a do islandês Glitnir. O que importa agora é a generalização da percepção de que os bancos estão especialmente vulneráveis. E, sem UTI que possa ser armada, a encrenca pode ser ainda mais grave do que o secretário Paulson denunciava. Independentemente disso, o Federal Reserve (banco central americano) deve injetar mais recursos no sistema para evitar o estancamento total do crédito e a corrida aos guichês. Isso terá seu preço em inflação, mas, a essa altura, ninguém vai olhar para a desarrumação da casa. Se for apresentado um novo pacote para votação, como se espera agora, provavelmente incluirá três ingredientes cuja ausência ou insuficiência foi o principal fator de rejeição. Terá, em primeiro lugar, de garantir como contrapartida a transferência de patrimônio dos bancos para o Tesouro, para que as ações sejam repassadas com lucro ao mercado uma vez vencida a crise. Não deixaria de ser uma forma de estatização, embora a transferência seria feita em ações preferenciais (sem direito a voto). Ao menos essa era a idéia original. Em segundo lugar, incluirá algum mecanismo de redução de custos para o mutuário hoje entalado em financiamentos habitacionais impagáveis. E, em terceiro, preverá mais controle sobre as operações de salvamento que, originalmente, davam poderes especiais ao secretário do Tesouro, ao atual e ao que comporá o próximo governo. É possível que caia a ficha que faltou no miolo dos políticos. Que temam ser cobrados por terem aceso o pavio da dinamite e serem responsabilizados pelo pior. E que se apressem a aprovar o que ontem rejeitaram. Por ora, pensam apenas que se vingaram da banqueirada irresponsável. Mergulho - As coisas estão tão complicadas que não dá para recomendar compra de ações num mercado a preços de liquidação. Não dá nem sequer para dizer que quem deixou de vender não deva cometer um segundo erro de vender agora. |
Entrevista:O Estado inteligente
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