Vicente Nunes
Correio Braziliense
29/9/2008
Terremoto financeiro internacional chega ao país e restringe o crédito, eleva os juros dos empréstimos, faz o Banco Central queimar reservas e derrete o valor de mercado das empresas com ações na Bovespa
O governo resistiu o quanto pôde em assumir que o estouro da bolha imobiliária americana teria reflexos negativos no Brasil. Mas, desde o início deste mês, quando a crise realmente mostrou sua face mais perversa, a realidade falou mais alto. A fatura que cabe ao país passou a ser emitida. E do Banco Central ao Ministério da Fazenda, do Congresso ao Palácio do Planalto, a discussão, agora, é sobre como minimizar os estragos na economia brasileira. "Não tem jeito. Por melhores que sejam os fundamentos econômicos, não há como o Brasil ficar imune ao vendaval financeiro que varre o mundo", diz Ítalo Lombardi, analista para mercados emergentes da consultoria RGE Monitor.
Os efeitos da crise estão por todos os lados. A começar pelo crédito, que ficou mais escasso e caro. Na média, os consumidores que se dispuserem a comprar a prazo ou a tomar empréstimos vão arcar com as maiores taxas de juros desde o segundo semestre de 2006: 52,8% ao ano, em média. Operações que antes eram oferecidas sem restrições, como os empréstimos com desconto em folha, praticamente sumiram. No máximo, os bancos estão renovando os financiamentos e, mesmo assim, em prazos menores. "O consignado deixou de ser interessante para os bancos nesse cenário de juros mais altos", afirma o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.
Também as empresas estão arcando com custos maiores nas linhas para capital de giro e para tocar a ampliação de fábricas — juros médios de 28,4% ao ano, os maiores em julho de 2006 —, uma vez que o crédito externo secou. Apenas nos primeiros 15 dias de setembro, R$ 2,1 bilhões deixaram de entrar no país. "O crédito é uma das alavancas do crescimento, pois estimula tanto o consumo das famílias quanto os investimentos produtivos. Ao ficar mais caro e com acesso mais difícil, vai prejudicar a expansão econômica do país", explica Fernando Montero, economista-chefe da Corretora Convenção.
Por isso, muitos analistas prevêem um tombo no ritmo de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009. As estimativas apontam para incremento entre 2,5% e 3,5%, o que representa redução de até três pontos percentuais em relação ao resultado esperado para este ano, de 5% a 5,5%. "Que o Brasil vai crescer menos em 2009, não há dúvidas. E muito possivelmente menos de 3%", ressalta o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes. A inevitável desaceleração da economia já foi, inclusive, devidamente comunicada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, conforme informou ontem o Correio.
Mais prejuízos
O governo também está dando sua cota de sacrifício. O BC já queimou US$ 1 bilhão das reservas internacionais para aliviar a vida de empresas e bancos, que ficaram sem crédito para financiar o comércio exterior. O BC teve ainda de enfrentar o sufoco de 23 bancos de menor porte, que se viram sem dinheiro em caixa para emprestar. A secura foi tamanha, que a instituição liberou R$ 13,2 bilhões em depósitos compulsórios que estavam sob a sua guarda. E mais: mesmo pagando juros mais altos, o Tesouro Nacional conseguiu refinanciar, em setembro, pouco mais da metade dos R$ 20,7 bilhões da dívida pública.
É no mercado financeiro que os efeitos da crise são mais evidentes. O valor das empresas com ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encolheu R$ 617,8 bilhões. Corretoras e fundos de investimentos tiveram dificuldades para honrar compromissos no pregão paulista. Grandes exportadoras, como a Sadia e a Aracruz Celulose, perderam mais de R$ 1 bilhão, ao serem surpreendidas com a disparada do dólar frente ao real. "Infelizmente, ainda vamos ver muito sofrimento no mercado", ressalta Alexandre Marques Filho, analista da Elite Corretora.
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