Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 28, 2008

''Caros amigos do Iraque, acordem!''Thomas F. Friedman*

Como Bush deve explicar a líderes iraquianos que a crise financeira traz novo desafio aos EUA

De: presidente George W. Bush. Para: presidente Jalal Talabani, do Iraque; primeiro-ministro Nuri Kamal Al- Maliki; presidente do Parlamento, Mahmud al-Mashadani.

Caros senhores, escrevo-lhes sobre uma questão de grande importância. É difícil para mim expressar a gravidade da presente crise econômica dos EUA. Estamos discutindo um salvamento de US$ 1 trilhão para nosso combalido sistema bancário. Este é um 11 de Setembro financeiro. À medida que os americanos perdem suas casas e se afundam em dívidas, eles entendem cada vez menos por que estamos gastando US$ 1 bilhão por dia para fazer os iraquianos sentirem-se mais seguros em suas casas.

Nos últimos dois anos, houve um debate neste país sobre o estabelecimento de um prazo para uma retirada americana do Iraque. O prazo está chegando. Os contribuintes americanos, que não permitiriam que seu dinheiro fosse usado para subsidiar suas próprias companhias - Lehman Brothers, Bear Stearns e Merrill Lynch -, não permitirão que os dólares de seus impostos sejam usados para subsidiar sua indecisão sobre qual comunidade iraquiana domina Kirkuk.

Não me entendam mal. Originalmente lancei esta guerra em busca de armas de destruição em massa e estava errado. Mas, rapidamente, ficou evidente que a Al-Qaeda e seus aliados estavam determinados a fazer os EUA fracassarem em qualquer tentativa de construir um Iraque decente e inclinar o Oriente Médio para um caminho mais democrático, sem se importar com quantos iraquianos teriam de ser mortos no processo. Não foi para essa guerra que viemos, mas foi a que encontramos.

A Al-Qaeda compreendeu que, se pudesse derrotar os EUA no coração do mundo árabe-muçulmano, isso repercutiria em toda a região. Se pudéssemos derrotar a Al-Qaeda no Iraque, em colaboração com outros árabes e muçulmanos, isso também repercutiria em toda a região. Havia uma grande aposta em jogo aqui.

Ao mesmo tempo, eu também comecei a perceber que ao ajudar os iraquianos a organizar eleições, estávamos facilitando a primeira tentativa já feita pelo povo de um Estado árabe moderno de escrever seu próprio contrato social - em vez de ter um pela imposição de reis, ditadores ou potências coloniais.

Se iraquianos xiitas, sunitas e curdos puderem forjar seu próprio contrato social, então alguma forma de governo consensual é possível no mundo árabe. Se não puderem, serão reis e ditadores para sempre - com todas as patologias que vêm com isso.

Vocês terão de se apresentar e terminar esse trabalho. Vocês presumiram uma rede de segurança americana permanente para sua interminável barganha sobre quem fica com o quê. Eu tenho sido muito, muito paciente com vocês.

Isso acabou. Nós lhe demos tempo com o reforço de tropas para alcançar um acordo político formal e é melhor vocês o usarem rapidamente, porque ele é um ativo que se está esvaindo rapidamente.

Vocês, xiitas, precisam trazer as tribos sunitas e despertar para o governo e o Exército. Vocês, curdos, precisam encontrar uma solução para Kirkuk e aceitar uma maior integração no sistema estatal iraquiano, sem prejuízo de sua autonomia. Vocês, sunitas no governo, precisam concordar com eleições para que os emergentes grupos tribais sunitas e possam concorrer a cargos públicos "institucionalizados".

Então, aprovem suas leis sobre eleições e petróleo, gastem um pouco de seus lucros com petróleo para reassentar refugiados iraquianos e institucionalizar os recentes avanços de segurança enquanto ainda têm uma presença americana expressiva. Leiam meus lábios: ela não estará aí indefinidamente - mesmo que McCain vença.

Nosso embaixador, Ryan Crocker, contou-me seus problemas: os xiitas iraquianos ainda têm medo do passado, os sunitas iraquianos ainda têm medo do futuro e os curdos iraquianos ainda têm medo de ambos.

Bem, vocês terão de enfrentar o medo. Olhem nos olhos dos americanos que estão vendo suas poupanças se evaporarem, suas companhias desaparecerem, suas casas executadas. Nós somos hoje um país diferente.

Depois de uma década em que o mundo temeu um excesso de poder americano, ele agora terá de lidar com um mundo com poder americano de menos, na medida em que nos voltarmos para dentro para colocar nossa casa em ordem.

Eu ainda acredito que um desfecho decente no Iraque, se vocês o alcançarem, terá implicações duradouras e positivas para vocês e para todo o mundo árabe, ainda que o preço pago tenha sido alto demais.

Eu aguardarei que a história me redima, mas o povo americano, não. Eles querem uma construção de nação nos Estados Unidos agora. Eles não sairão do Iraque da noite para o dia, mas não permanecerão lá em quantidade significativa por muito mais tempo. Eu repito: não interpretem mal este momento.

Que Deus os acompanhe.

George W. Bush

*Thomas Friedman é colunista do The New York Times

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