Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 26, 2008

Todos especulam - Carlos Alberto Sardenberg




O Globo
25/9/2008

Pelo e-mail, as pessoas perguntam: tendo viagem ao exterior daqui a 30 dias, devo comprar dólares agora?

Eis uma especulação. Ao tomar a decisão, a pessoa estará fazendo uma aposta. Pode até ser uma especulação inocente, mas é o mesmo comportamento de um importador ou um exportador. Se o dólar está em alta, é preciso antecipar compras e adiar vendas. É também o que faz um investidor. Durante muito tempo, o negócio era vender dólares e ficar em reais, valorizados. Agora, pode ser o contrário - e, de fato, muitos fundos de investimentos estiveram estocando dólares nas últimas semanas.

Se neste caso se trata de ganância, por que não nos outros?

Outras pessoas perguntam: ações da Petrobras já estarão baratas o suficiente para se comprar? Aqui, já se trata de uma dupla especulação, no preço do petróleo e no desempenho das bolsas.

É a mesma aposta que fazem fundos de investimentos globais. Se os preços do petróleo estão em baixa, então é melhor: 1) vender o próprio petróleo; 2) vender ações de companhias petrolíferas; 3) comprar papéis de companhias aéreas e fabricantes de aviões, beneficiadas pela queda do preço do combustível.

Também é a mesma especulação que precisam fazer os executivos de, por exemplo, uma empresa petroquímica que tem o petróleo como insumo básico.

É impossível distinguir entre ganância e atitudes defensivas. Se é que há diferença. Se há dinheiro, há cobiça, seja da pessoa que vai viajar, seja do megainvestidor. Daí a dificuldade de regulação. Regras que limitem os mercados futuros, onde se dá boa parte da especulação - providência que tem sido reclamada por líderes políticos do mundo tudo -, vão atrapalhar a vida de companhias do agronegócio, que ficarão sem parâmetros de preços para avaliar sua produção.

Há uma enorme dose de demagogia nesses protestos contra o "cassino das finanças internacionais", discurso que coloca lado a lado Lula, hoje a mais reputada liderança de esquerda, e Nicolas Sarkozy, considerado a direita moderna. Quando ocorrem essas coincidências, os dois devem estar equivocados.

Estão errados também aqueles que acusam governos e autoridades econômicas por não terem antecipado a necessidade de uma nova regulação para os mercados financeiros. Que faltou regulação, é evidente, visto agora.

Também parece um consenso a tese de que alguns bancos centrais mantiveram juros baixos por muito tempo, criando uma espécie de farra com o dinheiro barato. Vai daí que os BCs deveriam ter elevado os juros e reduzido os empréstimos, isso lá atrás, para impedir a formação de bolhas ou ao menos para furá-las no início.

Mesmo que pareça uma boa teoria, não faz sentido. Os bancos centrais já são duramente atacados quando elevam juros diante de uma escalada inflacionária evidente. Muitos bancos adiam essas altas por circunstâncias políticas.

Imaginem se seria possível os bancos centrais começarem a elevar juros em um quadro de forte crescimento econômico, e sem inflação, como ocorreu nesses anos todos de capital abundante e barato turbinando investimentos e consumo pelo mundo afora. Sarkozy foi um que quase pediu a demissão da diretoria do BC europeu quando este fez uma pequena elevação de juros, em ambiente já inflacionário.

A mesma observação vale para essa história de antecipar a necessidade de regulação. Como fazer isso no momento em que o sistema financeiro funcionava no seu melhor estado?

Sistema financeiro existe para captar poupança onde sobra e distribuí-la onde há demanda por investimentos e consumo. Empresas abriram capital na Bolsa de São Paulo e as ações foram compradas por fundos globais com dinheiro captado no Japão, nos países produtores de petróleo, etc.

Isso foi bom. De novo, houve excessos, por exemplo, com o desvio de poupança para fundos inteiramente especulativos. Assim como houve, obviamente, excessos nos empréstimos para a compra da casa própria nos EUA ou mesmo para os consumidores com cartão de crédito.

Mas esse sistema também viabilizou a casa para milhões e milhões de famílias. O consumo dos americanos, a crédito, viabilizou produtores do mundo todo.

Em resumo, a coisa é mais complexa do que denunciar a ganância do cassino. É politicamente impossível abortar um período de forte crescimento para impedir a formação de uma bolha que ainda não se vê. É preciso partir daí para uma abordagem mais racional.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
E-mail:
sardenberg@cbn.com.br.

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