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Vampiro de dentes de leite
Mais herói do que monstro, o protagonista da série criada
por Stephenie Meyer é um morto-vivo ético, que não bebe
sangue humano – e foge das investidas da namorada
Jerônimo Teixeira
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O adolescente Edward Cullen deveria ser o pesadelo de todo pai vigilante. É capaz de subir pela janela de sua namorada, Bella, no 2º andar, em um só salto silencioso. E sabe escapar com a mesma rapidez furtiva tão logo sua audição acurada detecte o menor movimento do pai pela casa. No entanto, ele é na verdade o sonho do pai careta: mesmo com acesso irrestrito à cama da namorada, nunca vai além de beijos e amassos acanhados. Edward tem boas razões para ser tão casto: ele é um vampiro. Faz parte de um clã que já não é predador de humanos e vive de animais caçados nas florestas do estado de Washington. Edward teme que a proximidade de Bella acabe provocando sua sede de sangue. Esse drama fantástico-romântico anima uma série de quatro livros que já vendeu cerca de 13 milhões de exemplares nos Estados Unidos e transformou sua autora, a americana Stephenie Meyer, até então uma pacata dona-de-casa mórmon, em uma celebridade comparada (ainda que não exatamente comparável) a J.K. Rowling, criadora de Harry Potter. O primeiro livro da série,Crepúsculo – cuja adaptação cinematográfica estréia em novembro nos Estados Unidos –, freqüenta a lista de best-sellers de VEJA e já vendeu 80 000 exemplares no Brasil. O segundo romance, Lua Nova (tradução de Ryta Vinagre; Intrínseca; 480 páginas; 39,90 reais), está chegando agora às livrarias do país.
Os números de Stephenie Meyer, embora impressionantes, não fazem cócegas nos recordes de J.K. Rowling – só em suas primeiras 24 horas no mercado americano, Harry Potter e as Relíquias da Morte vendeu 8 milhões de exemplares, mais da metade de toda a sérieCrepúsculo. Mas a comparação faz sentido quando se considera o tipo de público que Stephenie e Rowling atraem: não são apenas jovens leitores, mas seguidores, o tipo do fã de carteirinha que faz fila em livraria e discute o enredo de cada livro em fóruns na internet. As duas autoras atualizam, com graça, figuras ancestrais da mitologia. J.K. Rowling é mais extravagante, misturando bruxos e centauros, trolls e basiliscos. Stephenie Meyer centrou-se em uma figura fantástica de provado fascínio e sedução, o vampiro (embora Lua Nova também traga Jacob, um jovem lobisomem irremediavelmente apaixonado por Bella).
Bettmann/Corbis/Latin Stock |
TERROR HÚNGARO Bela Lugosi, o mais famoso Drácula do cinema: monstro aristocrático |
Um bom roteiro para as origens dessa criatura foi lançado há pouco: O Vampiro antes de Drácula (Aleph; 336 páginas; 46 reais), antologia de contos de vampiro anteriores aoDrácula de Bram Stoker – considerado o clássico definitivo do gênero – organizado e traduzido por Martha Angel e Humberto Moura Neto, biólogos profissionais e devotados "vampirólogos". Na informativa introdução do livro, os autores notam que monstros sugadores de sangue existiram em todas as mitologias. O vampiro mais ou menos como se conhece hoje, porém, surgiu lá pelo fim do século XVII, quando lendas de mortos que saíam da cova para matar os vivos e beber sangue começaram a pipocar em grotões supersticiosos do antigo Império Austro-Húngaro (a palavra "vampiro" vem provavelmente do sérvio). Nessas primeiras versões da Europa Centro-Oriental, o vampiro era um campônio morto-vivo, grosseiro e fedendo a cova. Foi se refinando ao longo do tempo, até chegar ao aristocrático Drácula de Bram Stoker, conde de origem húngara (como Bela Lugosi, seu mais conhecido intérprete no cinema).
Stephenie Meyer manteve o caráter sedutor do vampiro, mas retirou sua essência demoníaca. Alguns deles ainda são assassinos inveterados – mas não precisam ser assim. "Meus livros são sobre escolhas. Você não precisa ser mau apenas porque é um vampiro", diz Stephenie. Em Lua Nova, o vampiro (e médico!) Carlisle, pai adotivo de Edward, fala até de sua crença em Deus. O próprio Edward tem sérias angústias metafísicas: duvida que vampiros tenham alma. É por isso que hesita em morder o belo pescoço de Bella – embora ela deseje ardentemente se converter em vampira. A história é narrada em primeira pessoa por Bella, com todos os tiques convulsivos de uma heroína romântica: ela enrubesce, chora copiosamente, desmaia, sofre miseravelmente quando Edward foge para não mais colocar a vida dela em risco. O encanto dos livros também está nesse exagero. Discretamente, Stephenie Meyer até se permite uma ou outra nota erótica: "O que é mais tentador para você: meu sangue ou meu corpo?", pergunta Bella ao namorado morto-vivo. Eis aí uma mórmon de imaginação endiabrada.
Filhos das trevas Algumas versões do mito do vampiro – e o morcego que
NOS CLÁSSICOS LITERÁRIOS O SOBRENATURAL – Em Drácula (1897), do irlandês Bram Stoker, o mais célebre dos romances do gênero, os vampiros são imortais que bebem sangue, mas temem a luz do sol
NA CULTURA POP O SOBRENATURAL – As características básicas dos vampiros de Bram Stoker foram conservadas nos best-sellers da americana Anne Rice e na série de televisão Buffy, a Caça-Vampiros – apenas com mais ênfase na superforça dessas criaturas
NA SÉRIE CREPÚSCULO O SOBRENATURAL – Nos livros de Stephenie Meyer, os vampiros têm força sobre-humana e escutam pensamentos. Brilham à luz do sol – mas não morrem NA NATUREZA O SOBRENATURAL – Nativos das zonas tropicais, os morcegos hematófagos voam orientados pelo som, com uma espécie de radar natural. Mas não há nada de místico nisso |
"Eu não gosto de sangueira"
Você já comentou em várias entrevistas que não é fã de histórias de terror. Por que decidiu escrever sobre vampiros? Não escolhi os vampiros. Eles me escolheram. Escrevi sobre eles porque tive um sonho em que apareciam um vampiro e uma garota apaixonada por ele, e não tenho idéia da razão de eu ter tido esse sonho. Os vampiros que criei têm mais a ver com super-heróis do que com monstros. Sempre adorei super-heróis. Por que há tanta surpresa com o fato de uma mãe de família mórmon escrever uma história de vampiros? Creio que a surpresa vem de uma visão estreita e preconceituosa da minha religião. Também acho que, quando as pessoas ouvem falar em "história de vampiros", pensam que o livro é um romance de terror. Mas não sou uma pessoa sombria e não gosto de sangueira. A fé entra de alguma maneira na sua ficção? Sim, no sentido de fazer com que meus personagens tenham muita sensibilidade para temas espirituais. Isso facilita o relacionamento do leitor com eles. As pessoas reais sempre se perguntam o que virá depois da morte e como isso deve afetar o modo como elas vivem. Meus personagens se perguntam sobre isso também. Grande parte da tensão dos livros está no esforço do vampiro Edward para não morder sua namorada, Bella. Seria uma metáfora para a abstinência sexual? Não, isso seria muito limitado. Não escolhi a imagem da maçã na capa do primeiro livro, ou a epígrafe do Gênesis sobre o fruto proibido, para representar a experiência sexual. Eu queria que a imagem trouxesse à mente a expressão "o fruto do conhecimento do bem e do mal", também do Gênesis. A verdadeira tentação está em querer saber, ainda que o conhecimento possa ser perigoso. Meus dois protagonistas cedem a essa tentação e cruzam fronteiras perigosas um com o outro. Muitos filmes recentes, como meninas Malvadas, apresentam a escola secundária americana como um lugar de pressões insuportáveis para os adolescentes, e isso também transparece em seus livros. A escola é mesmo tão terrível? Não, não todo o tempo. Mas é um período crucial, que nos dá as melhores lembranças e as piores cicatrizes. É uma encruzilhada fascinante: você já tem idade para tomar decisões que afetarão o resto da sua vida, mas quase nunca permitem que tome essas decisões sozinho, sem a supervisão de um adulto. Há muito potencial para um romance nessa situação. |