O Brasil tem três opções: duas são erradas
Um acordo feito no Congresso americano em torno da operação de US$ 700 bilhões de socorro ao sistema financeiro era o sinal que se esperava para os mercados ficarem menos tensos. A alta das cotações nas bolsas ocidentais, ainda abertas quando a tentativa de acerto foi anunciada, é a prova da expectativa de desafogo. Não importava se ainda teria de ser buscado o sinal verde do Executivo, representado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson. Nem que o Congresso tenha exigido a liberação do dinheiro por partes — um primeiro desembolso de US$ 250 bilhões, condicionando as parcelas futuras ao resultado da operação. Tampouco que os parlamentares querem alguma limitação aos bônus dos executivos a serem salvos — contra opinião de Paulson —, e mecanismos que, de alguma forma, dêem garantias ao contribuinte americano, dono do dinheiro visto pelos críticos como tábua de salvação dos “gatos gordos de Wall Street”.
Nada disso teve importância para as bolsas. Elas queriam respirar.
E mesmo que seja feito já um acordo final — o que não parecia tão certo assim ontem —, daí a considerar que o Titanic contornou de vez, com sucesso, o iceberg há alguma distância. Se é certo que não haverá quebra do sistema mundial, dada a decisão política tomada de impedila, também é verdade que algumas turbulências ocorrerão até que as centenas de bilhões de dólares — ninguém sabe ao certo quanto — de títulos podres sejam digeridas.
É nessa perspectiva que deve ser entendida a decisão do Banco Central brasileiro de reduzir o depósito compulsório bancário, uma evidência definitiva de que o país, mesmo bem mais preparado para enfrentar choques externos, não está imune a efeitos da crise financeira mundial deflagrada a partir do mercado imobiliário americano —aliás, como nenhuma economia está.
Com o estouro da bolha criada pela lassidão na concessão de empréstimos lastreados em imóveis e pela montanha de papéis construída por bancos de investimento dos Estados Unidos, sem qualquer supervisão externa e cuidados maiores quanto ao risco, há no mundo uma grave crise de crédito: como o desmoronamento da montanha já levou à derrocada instituições centenárias em Wall Street, quem tem dinheiro em caixa não empresta, por não saber ao certo qual o risco do credor em potencial. Mesmo economias como a brasileira, bem avaliadas, passam a enfrentar problemas de escassez de linhas de financiamento, seja para o comércio exterior, para investimentos, o que for. Acertadamente, o BC, ao perceber que os bancos de maior porte começavam a captar mais recursos que os de menor tamanho, antecipouse a qualquer problema e reduziu o compulsório — dinheiro que o BC retém na captação de recursos pelo mercado, para regular a liquidez e servir de reserva. Ao diminuir o compulsório, o BC injeta liquidez para manter o sistema em bom funcionamento, pois crédito é como se fosse o combustível e lubrificante da máquina produtiva, tanto pelo lado das empresas como do consumidor.
Trata-se de um insumo vital.
É o oxigênio de qualquer sistema produtivo. Não pode faltar.
Quem em Brasília ainda não despertou para o tamanho do problema já deve começar a pensar no que fazer para preservar o financiamento aos projetos de infra-estrutura do PAC e tornar factível os investimentos no pré-sal, para dar dois exemplos. Nessa encruzilhada há três caminhos, sendo que dois levam ao abismo: esperar de braços cruzados por um desenlace positivo de toda a operação-socorro desenhada em Washington e/ou “tocar o pau na máquina”, entendendose por isso ampliar o endividamento público para capitalizar o BNDES e outras instituições que ajudem a disseminar o crédito em reais. Será praticar a roleta-russa com todas as balas no tambor do revólver, pois, assim, a percepção de risco do país aumentaria no exterior — e, se o crédito lá fora para o Brasil já é mais caro e menos abundante, ele desaparecerá de vez.
Além disso, o aumento do desequilíbrio nas contas públicas — pela expansão do endividamento — armará o estilingue para novo e dramático ciclo de expansão inflacionária.
O caminho correto é o de cautelosa administração dos gastos públicos, da contenção do crescimento das despesas em custeio, para privilegiar os investimentos e financiamentos públicos.
O primeiro grande teste para o presidente Lula foi assumir, em janeiro de 2003, no momento em que a desconfiança causada por sua vitória patrocinava mais um ataque especulativo ao real, com sabidos efeitos inflacionários. Ele soube entender a gravidade do momento e deu carta-branca ao ministro da Fazenda Antonio Palocci e ao presidente do BC Henrique Meirelles para executar a política fiscal e monetária adequada à crise. Deu certo, a inflação foi debelada e pavimentouse o terreno para a retomada da expansão econômica em bases saudáveis.
O resultado está refletido nos índices de popularidade do presidente.
Agora, ele enfrenta outro decisivo teste, que pode manchar sua biografia, ao deixá-lo na História como o responsável pela volta da superinflação, vencida no início da Era FH, e de mais um ciclo de duração imprevisível de baixo e errático crescimento, senão de estagnação.
Depende dele.
Entrevista:O Estado inteligente
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