O Globo |
30/9/2008 |
A reação da base republicana da Câmara, que votou majoritariamente, na proporção de dois para um, contra o pacote econômico que havia sido negociado pelas lideranças dos dois partidos no Congresso e o governo americano, reflete uma disputa dos conservadores que tentam manter seus mandatos na eleição de novembro diante da perspectiva de que os democratas aumentem ainda mais sua maioria nas duas Casas. Essa disputa reflete uma sensação, dentro do Partido Republicano, de que a escolha de McCain como seu candidato à Presidência da República representa uma liberalização dos princípios conservadores. McCain, no entanto, sempre foi mais prudente nas discussões do pacote econômico do que os deputados do partido, que assumiram posições mais radicais, inclusive na reunião da Casa Branca, na presença do presidente George Bush. Naquela ocasião, McCain ficou em cima do muro, sem se comprometer com o pacote, mas também sendo vago nas suas críticas. Mesmo assim, tentou tirar proveito político da situação, para aparecer como a liderança que chegou a Washington para mudar o consenso estabelecido e incluir regras no pacote de defesa do contribuinte. O problema é que McCain, diante da crise sistêmica instalada no mercado financeiro, estava menos convicto da necessidade de aplicar na prática a teoria do livre mercado do que a maioria dos deputados da base republicana. O que ele queria mesmo era aprovar um pacote que fosse atribuído à sua intervenção. Para os republicanos que estão com seus mandatos ameaçados, no entanto, a única saída é defender os princípios ortodoxos do conservadorismo, especialmente quando as pesquisas de opinião indicam que nada menos que 70% dos americanos são contra o pacote, percebendo-o como uma proteção do governo aos banqueiros. O radicalismo entre os conservadores está tão acentuado que até mesmo Bush está sendo acusado de "socialista", e não apenas pela intervenção de US$700 bilhões no mercado financeiro. Ele está recebendo críticas pelo déficit público que só faz aumentar, o que indicaria que, ao contrário do credo no "governo mínimo", ele estaria colocando em prática um governo grande e intervencionista. Não apenas na economia, mas na segurança nacional, com o Patriotic Act, e em outros setores do governo, como na educação e na saúde. Há quem diga que o ex-presidente democrata Bill Clinton teve um governo mais próximo dos conservadores, com o equilíbrio das contas públicas e a desregulamentação do mercado financeiro, do que o próprio Bush. Em 1995, o Congresso aprovou uma lei que impede os investidores de processar as empresas por propaganda enganosa, o que se considera um passo fundamental para o estabelecimento de um clima de impunidade que dominou o mercado nos últimos anos. De fato, foi ainda no governo Clinton que caiu o último obstáculo legal contra a ampliação dos poderes dos bancos, permitindo que eles assumissem os riscos financeiros que estavam proibidos desde a Grande Recessão, com a lei Glass-Steagall, de 1933. Apoiada pelo ex- secretário de Tesouro Carter Glass, considerado o "pai" do Banco Central americano, e por Henry Steagall, ambos democratas, essa lei surgiu em resposta ao entendimento de que fora a especulação descontrolada dos bancos que levara à quebra da Bolsa de Nova York em 1929, que gerou a Grande Depressão. Foi estabelecida então, através de regulamentação legal, a separação entre bancos de investimento e bancos comerciais, derrubada 66 anos e muitas tentativas depois, em 1999, com a aprovação da lei de modernização dos serviços financeiros. Conhecida como Gramm-Leach-Bliley, foi aprovada com a argumentação de que o mercado financeiro americano necessitava se modernizar para competir com outros bancos europeus e japoneses. Uma das atuações mais fortes a favor da lei foi do Citigroup, que havia acabado de comprar a companhia de seguros Travelers, e precisava de uma mudança na legislação. O Centro de Política Conseqüente, uma ONG sem ligações partidárias, fez um levantamento da votação da lei, que foi aprovada por ampla maioria dos dois partidos nas duas Casas, e constatou que os que votaram a favor da desregulamentação ganharam duas vezes mais suporte financeiro para suas campanhas do que os que se colocaram contra a legislação. Mas é uma injustiça com o Bush acusá-lo de intervencionista, já que foi já em seu governo, no ano 2000, e comandado pelo então senador Phil Gramn, que viria a ser o principal assessor econômico da candidatura McCain, que foi aprovada uma lei que excluiu os derivativos da regulamentação de 1936. O fato é que a crise que está assustando o mercado financeiro e terá conseqüências ainda imprevisíveis na economia do dia a dia do cidadão americano médio, embora ainda não pressentida em sua totalidade, está fazendo com que os fundamentos básicos que separam os dois principais partidos fiquem explícitos. Isso pode ajudar deputados americanos a salvarem seus mandatos com a votação distrital, o que explica que o Senado esteja mais a favor do pacote que a Câmara. Mas é prejudicial para John McCain. |
Entrevista:O Estado inteligente
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