O Globo |
2/9/2008 |
A cada pesquisa divulgada mostrando um virtual empate entre as candidaturas do republicano John McCain e do democrata Barack Obama, mesmo depois do grande discurso de Obama em Denver, acompanhado por cerca de 40 milhões de pessoas, e apesar da impopularidade do governo de George W. Bush, mais fica claro que o surgimento do primeiro negro candidato a presidente está dividindo a sociedade americana. O ex-presidente Jimmy Carter classificou a raça como "um tema subterrâneo" nestas eleições, que as pesquisas de opinião não detectarão com clareza porque, segundo ele, muitos "eleitores brancos têm preconceito contra negros, mas não admitem". A inexperiência de Obama fica sendo, então, uma desculpa que encobertaria a verdadeira razão para não votar nele. O adiamento das atividades do primeiro dia da convenção, devido ao furacão Gustav, providencialmente tirou da agenda republicana a presença do presidente George W. Bush e seu vice Dick Cheney, em uma campanha que está tendo que fazer concessões à direita do partido para compensar o fato de McCain não ser considerado um "verdadeiro conservador". Em contraposição, a campanha do democrata está claramente indo para a esquerda, em uma demonstração de que é ele quem dá a orientação básica, ao contrário do que aconteceu da última vez em que um democrata venceu uma eleição presidencial, em 1992. A campanha de Bill Clinton foi toda baseada na crise econômica, e o tom daquela vez também foi liberal, mas não no sentido político americano, e sim no econômico. Clinton defendeu e realizou um governo menos intervencionista e mais aberto ao exterior do que é tradição no Partido Democrata. Deu todo apoio político ao tratado de livre comércio negociado por seu antecessor, Bush pai, com o México, por exemplo. Mas só ganhou os votos da minoria dos democratas no Congresso, sendo que mais de 75% dos republicanos votaram a favor. Este ano, a senadora Hillary Clinton ficou em posição difícil durante as primárias para apoiar o tratado com o México, aprovado na gestão de seu marido. Desta vez, Barack Obama, que foi considerado o senador mais "de esquerda" da última legislatura, está dando o tom liberal, levando o partido para um programa de maior intervenção do Estado na economia, para defender os mais pobres. Em uma passagem de seu discurso de aceitação, Obama deixou clara essa diretriz ao dizer que não acreditava que McCain não se importe com o que acontece com o cidadão americano, que ele simplesmente "não entende", pois "há mais de duas décadas ele subscreve aquela filosofia republicana velha e desacreditada: dar mais e mais aos que têm mais e esperar que a prosperidade acabe filtrando para o resto da população. Em Washington, chamam a isso de Sociedade da Propriedade, mas o que isso realmente quer dizer é que você está sozinho, por conta própria. Está desempregado? Azar seu. Não tem seguro-saúde? O mercado resolverá o problema. Nasceu pobre? Erga-se sozinho, sem a ajuda de ninguém. Você está sozinho". O liberalismo também se refere a questões morais, como o direito ao aborto e ao casamento dos homossexuais, e essa é outra batalha ideológica que se trava mais claramente a partir da escolha da governadora do Alasca, Sarah Palin, uma militante antiaborto que, além de ter tido um filho com Síndrome de Down por escolha, o exibiu na sua primeira aparição pública como vice escolhida por McCain, numa utilização política de seus princípios morais e religiosos. Ela reforçará a base evangélica do candidato republicano, que não é considerado conservador o suficiente pelos seguidores de Mike Huckabee, a quem derrotou nas primárias. James C. Dobson, influente líder conservador cristão que havia anunciado que jamais votaria em McCain, voltou atrás com a escolha de Palin. Mais difícil vai ser atrair os votos femininos apenas por ser uma mulher. Sarah Palin disse certa vez que seria contra o aborto mesmo no caso de uma filha sua ser estuprada, o que causa irritação nas feministas. Palin, que é defensora da abstinência antes do casamento, anunciou ontem que sua filha de 17 anos está grávida e se casará. Nancy Keenan, a presidente da organização nacional de mulheres a favor do aborto, disse que essa atitude radical de Palin vai contra a maioria das mulheres. Ela ressalta que, mesmo em estados como Dakota do Sul, que proibiu o aborto em 2006, foi reconhecida a exceção em casos de incesto e estupro. Segundo ela, mulheres de tendências políticas variadas, não apenas democratas, mas republicanas e independentes, rejeitarão a candidatura de Palin. Mas os planos dos republicanos são de mandar a candidata a vice em viagem para estados que não têm definição partidária, como Ohio e Pensilvânia, onde há um contingente grande de mulheres que votaram em Hillary Clinton nas primárias. Esta, aliás, passará a ser uma característica dessa campanha: a busca de eleitores independentes e de mudança de votos entre republicanos e democratas. Durante a convenção democrata em Denver, havia um comitê republicano em grande atividade. Também os democratas estão trabalhando forte em estados que não são de sua base eleitoral, especialmente alguns do Sul do país, considerados apoios certos para os republicanos, como a Geórgia, onde 90% dos eleitores são republicanos, ou a Carolina do Norte, onde cerca de 300 mil eleitores foram registrados. É a tentativa dos democratas de atrair o maior número de novos eleitores e incentivá-los a irem às urnas em novembro, principalmente nos estados sulistas, onde o sentimento racista é mais arraigado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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