Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 02, 2008

Míriam Leitão - Oba-oba e fatos



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
2/9/2008

Hoje vai ser um dia de comemoração. A produção industrial de julho deve atingir 8% em relação ao mesmo período do ano passado, e o campo de Jubarte vai extrair abaixo da camada de sal o primeiro barril de petróleo. Não fossem as instituições em tumulto, com suspeita de espionagem entre os poderes, o presidente Lula poderia dizer que é o dia perfeito.

O governo tentará fazer o dia mais-que-perfeito, exagerando no significado do primeiro teste oficial em Jubarte. O presidente Lula, com sua candidata a bordo, quer extrair combustível eleitoral de cada um desses eventos. Por uma enorme sorte, o Pré-Sal de Jubarte fica perto de onde hoje se extrai o petróleo, e exatamente abaixo de onde já está a sonda. Com um investimento pequeno, para as dimensões petrolíferas, a Petrobras conseguiu fazer esse teste. Não será petróleo suficiente para dar escala comercial à produção, mas será o bastante para tornar realidade essa abstração que hoje incendeia a imaginação dos brasileiros.

Vai ser bom ver o petróleo saindo das profundezas abaixo da camada de sal, mas este teste não prova que é viável produzir o petróleo todo do qual se fala. Jubarte é uma história à parte e não prova a viabilidade e a dimensão da produção de petróleo das camadas ultraprofundas do território brasileiro. Há muitas etapas a serem cumpridas antes de se chegar à produção comercial que, na melhor das hipóteses, acontecerá daqui a 6 ou 7 anos. Antes será preciso dirimir inúmeras dúvidas técnicas sobre a viabilidade da exploração, a dimensão das reservas e quanto disso é, de fato, reserva provada, ou seja, aquela que dá para ser extraída nas condições atuais.

O mais urgente do Pré-Sal não é saber se haverá estatização ou não, se será concessão ou partilha, e se os estados terão ou não royalties. O que é preciso saber agora é se haverá equipamentos para explorar o petróleo. Hoje, no mundo, simplesmente falta tudo em matéria de recursos para exploração: de equipamentos a mão-de-obra. A Petrobras, inclusive, talvez tenha que importar especialistas e mão-de-obra qualificada. Ainda não tratou desse assunto abertamente porque não quer abrir mais uma polêmica, mas, pelos cálculos que a empresa faz, não haverá pessoal qualificado suficiente para superar os primeiros desafios. A indústria está tão aquecida no mundo que, mesmo que não houvesse a descoberta do Pré-Sal, o país enfrentaria a escassez de equipamento.

Sobre Jubarte, ainda não se tem a dimensão precisa do petróleo disponível. A diferença lá é que a camada de petróleo está mais perto: a 4.000 metros de profundidade, com uma camada de sal para atravessar de apenas 200 metros. Em cima, petróleo pesado e, abaixo, petróleo leve. Como o óleo está sob a plataforma, os investimentos necessários foram de somente R$50 milhões. Na verdade, o teste que o presidente Lula fará hoje é só a oficialização, porque os testes já começaram. A empresa se prepara para começar a produzir em torno de 10 mil barris/dia. No auge, chegará a 18 mil barris/dia, e isso por um ou dois anos.

Nos próximos anos, serão mais dois projetos no Pré-Sal, na Bacia de Santos. Por enquanto, o único campo de que se tem noção do tamanho das reservas é o de Tupi. A estimativa da Petrobras é que, na área, existam volumes recuperáveis no Pré-Sal entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo. As reservas provadas da Petrobras são de 14 bilhões de barris. Em Tupi, os testes serão iniciados em março de 2009, só para saber informações sobre a possível produção do reservatório. Já foi contratado um navio-plataforma que prevê uma produção de 30 mil barris/dia. Em dezembro de 2010, deve ser instalado o segundo projeto em Tupi, para 100 mil barris/dia. O navio-plataforma também poderá produzir até 35 milhões de metros cúbicos de gás natural diariamente.

A verdade é que, até o momento, não se sabe a dimensão e nem o modelo de exploração do Pré-Sal. Pode ser que os testes sejam rápidos, mas eles podem demorar. São muitas incógnitas. O custo estimado de uma única perfuração para saber a possibilidade de produção é de US$100 milhões. Atualmente, segundo o professor Helder Queiroz, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, o aluguel de uma sonda para perfuração é US$600 mil por dia, quando era de US$70 mil há três anos. Não existem muitos equipamentos disponíveis no mundo, e o mercado não está pronto para atender à demanda. Além disso, o cenário ainda é muito novo, sendo preciso testar as soluções para a exploração do Pré-Sal. Não se sabe quando vai existir um modelo definido de exploração, o quanto é possível extrair de cada área. E esses testes podem demorar.

Apesar de todo esse oba-oba, o fato é que a produção da Petrobras em 2007 caiu e este ano cresceu míseros 2%. Cedo para comemorações, mas, ainda assim, hoje em Jubarte, será dado mais um passo numa longa caminhada até que a exploração desse petróleo se torne realmente viável.

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