O Estado de S. Paulo |
5/9/2008 |
A intenção do presidente Luiz Inácio da Silva ao defender o “uso do fumo em qualquer lugar” e informar a um grupo de jornalistas que a legislação federal em vigor há 12 anos não vale dentro do gabinete dele no Palácio do Planalto não foi possível captar com precisão. “Na minha sala mando eu”, disse de cigarrilha em riste. Provavelmente não deve ter havido deliberação alguma no gesto, gratuito como tantos outros. Mas, quando se trata de questão de saúde pública e de um porta-voz do peso de um presidente com a popularidade e capacidade de mobilização de Lula, a leviandade reveste-se de muita gravidade. E, no caso, sob os mais variados aspectos: dá um golpe fatal na proposta do Ministério da Saúde de proibir de vez o tabaco, mesmo em áreas reservadas, adota como de uso privado um espaço público e estimula a pedagogia da infração constantemente legitimada quando o presidente Lula reclama das regras que vê como obstáculos aos seus propósitos. Só neste ano foram dois os exemplos bem eloqüentes: a lei de licitações, segundo ele, “atrapalha” a execução de obras e dá muito poder ao Tribunal de Contas da União; a lei eleitoral, na visão do presidente, é “hipócrita” e está a serviço do “falso moralismo”. Isso porque proíbe o governo de assinar convênios e distribuir benefícios sociais durante o período pré-eleitoral. Se os adversários do projeto do Ministério da Saúde, ainda em exame na Casa Civil, queriam um aliado, ganharam o mais poderoso deles. Lula deixou bem claro o que pensa da proposta do ministro José Gomes Temporão: “Eu não vou propor. Mando para o Congresso e não voto”. Em matéria de falta de compromisso, Temporão não precisará ser bom entendedor porque o presidente não se preocupou em usar meias-palavras. O cidadão Luiz Inácio da Silva tem todo o direito de fumar. Aliás, temos. Agora, de um presidente da República o mínimo que se exige é que não perca a noção do limite de suas funções, do seu poder e do papel que exerce num país de presidencialismo quase imperial. Talvez não tenha se dado conta, mas faz apologia do vício quando justifica sua defesa do “fumo em qualquer lugar” porque “só fuma quem é viciado”. A passividade do agente público diante de um mal de alcance coletivo é uma forma de conivência. Tampouco ocorre a Lula que o gabinete da Presidência no Palácio do Planalto não é de sua propriedade. Portanto, ali não vale a regra “na minha sala mando eu”. Sendo de mando a questão, naquele espaço a receita quem prescreve é a lei. Sendo examinada pela ótica da civilidade de um modo geral, a frase traduz um conceito altamente destrutivo. Ensina que o individualismo voluntarista pode prevalecer sobre as regras gerais, bastando que o dono da vontade discorde delas. Quando for assim, pleno em suas razões, fica livre para seguir outro manual elaborado ao molde de suas conveniências, válido em territórios julgados de domínio particular. Em se tratando de leis e de autoridades com muito poder nas mãos, nada garante que o princípio não seja estendido para além das fronteiras do estritamente privado, como, de resto, estendeu o presidente Lula ao chamar de “sua” a mais pública das salas da República. Gato na tuba Alguma está se passando fora do alcance da vista entre o PT e o PSDB no tocante à sucessão do presidente Lula. Ontem, em entrevista a O Globo, ao negar a existência de intenções futuras na candidatura atual, Marta Suplicy apontou outra razão para seu empenho em ganhar a Prefeitura de São Paulo: “Vamos dar uma força para a eleição de 2010. Aí é que é a importância dessa eleição. Todo mundo sabe que, se ganhar o Alckmin, o Serra não será o candidato a presidente”. Por partes: Marta já disse que Dilma Rousseff é a candidata de Lula à Presidência e não perde chance de exibir seu apoio à ministra. Entretanto, quando fala em “dar uma força para a eleição de 2010”, não cita Dilma nem o PT. A referência é ao adversário e, ainda assim, com sinal trocado. Se o governador de São Paulo é o primeiro colocado nas pesquisas e se Geraldo Alckmin ganhar a disputa municipal, José Serra fica fora do páreo nacional, como diz Marta, em tese este seria o melhor cenário para Lula, Dilma e o PT. Mas a candidata inverte a lógica: localiza a “importância” da eleição na derrota de Alckmin e, por conseguinte, na vitória de Serra dentro do PSDB. Ora, por que ao PT desagradaria ver seu principal oponente banido desde já da disputa de 2010? Por que a necessidade de “dar uma força” para isso não acontecer? Sabe-se lá, mas o raciocínio de Marta Suplicy não combina com o desenho da paisagem. Ou ela desentendeu-se com o próprio argumento ou a paisagem não retrata a realidade. Dita a frase, a candidata recuou incontinenti: “Não deveria ter mencionado isso, não faz parte da nossa discussão”. |
Entrevista:O Estado inteligente
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