Apesar disso, ganha corpo a idéia de que se está longe de ter feito o possível para enfrentar a praga das escutas - clandestinas ou autorizadas. Estas últimas - mais de 400 mil no ano passado - constituem uma aberração que enfim começa a ser reconhecida como tal na cúpula do Judiciário. "Devemos fazer mea culpa", diz o novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha, sobre a "banalização" das quebras de sigilo telefônico determinadas por juízes em todo o País. Criou-se uma rotina perversa pela qual elas são solicitadas - e concedidas com naturalidade -, não para confirmar suspeitas robustas no curso de investigações policiais, mas para ver no que dá. Duas iniciativas contra os arrastões telefônicos entraram na ordem do dia, configurando um pacto entre o Judiciário e o Legislativo em defesa do que, nas palavras irrefutáveis do ministro Asfor, há de mais sagrado para qualquer cidadão, "o resguardo de sua intimidade".
De um lado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário, presidido pelo titular do Supremo Tribunal Federal, está para emitir uma resolução contendo normas destinadas a orientar a magistratura diante de pedidos de escuta para apuração de delitos. De outro lado, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, prevê que na próxima semana a Casa aprovará um projeto, negociado previamente com o Ministério da Justiça, estabelecendo parâmetros mais severos para a autorização e o acompanhamento das gravações telefônicas. De autoria do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, a proposta estipula, entre outras restrições, que o juiz deverá consultar o Ministério Público antes de permitir o grampo requerido. Além disso, a cada 60 dias os responsáveis pelo respectivo inquérito deverão submeter ao juiz as gravações efetuadas para que confira se elas correspondem ao autorizado ou se descambaram para a bisbilhotagem.
Na mesma linha, o presidente do Superior Tribunal de Justiça propõe a criação de uma instância, na Corregedoria Nacional de Justiça, para julgar abusos. Ele cita o precedente do colegiado de juízes de primeiro grau instituído em São Paulo para receber denúncias de excessos cometidos por colegas. Não há por que recear que esses procedimentos necessariamente "inviabilizem" as escutas em investigações, como diz o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Trata-se de inviabilizar aquelas a partir das quais os investigadores imaginam pescar indícios veementes de malfeitorias, o que deveria, isso sim, preceder as interceptações. Mais complexa é a repressão ao grampo clandestino, sobretudo quando feito por particulares. Em parte pelo acesso aos equipamentos eletrônicos que entram no País "até de forma legal", como admite Tarso Genro; em parte, no caso de órgãos públicos, quando o descontrole de suas atividades e a anarquia tolerada dentro deles é um incentivo aos arapongas a serviço seja lá de quem e do que for.
"O Estado não pode se tornar um Grande Irmão", disse ele, ao falar da nova versão do projeto do governo, já enviado ao Congresso, que aumenta as penas previstas no texto original para as escutas ilegais. Mas, conquanto desejável, o endurecimento das punições não exime o Planalto do principal: enquadrar e impor o estrito respeito à lei a organismos como a Abin e a Polícia Federal.