A cabeça está pior que o corpo
Absorvida pelos preparativos para os Jogos de Pequim, a imprensa brasileira não reservou sequer um canto de página às olimpíadas escolares internacionais disputadas em julho. Melhor assim. Se a performance dos atletas foi de deixar deprimido um passista da escola campeã, o desempenho dos estudantes decerto levaria o país a sentar-se no meio-fio, como um personagem de Nelson Rodrigues, e chorar lágrimas de esguicho. O Brasil que compete com o corpo produziu um fiasco. O Brasil que compete com a cabeça protagonizou um desastre. Em Pequim, o país subiu ao topo do pódio só três vezes. Nas quatro olimpíadas escolares, nenhuma das 142 medalhas de ouro enfeitou algum peito brazuca. As equipes enviadas aos jogos de Matemática, Química, Física e Biologia não ouviram o Hino Nacional uma única vez. O naufrágio não foi mais medonho por dois motivos. Primeiro: são promovidas em outros meses as provas de Informática, Astronomia, Ciências Junior e Astronomia e Astrofísica, das quais o Brasil é freguês. Segundo: o país desertou há dois anos das provas de Geografia e nunca se inscreveu nas olimpíadas de Linguística, Filosofia e Ciência da Terra. Compostas pelos melhores alunos matriculados em escolas públicas do 2º grau, as equipes, somadas, não gastaram mais que o ministro Orlando Silva, sozinho, em Pequim. Ponto para a estudantada. O universo dos selecionáveis milhares de primeiros da classe em cada disciplina é bem maior que o dos atletas. Ponto para o COB.Nas Olimpíadas propria- mente ditas, o Brasil bate ponto desde 1920 a milhagem atlética, portanto, é extraordinariamente maior que a escolar. Mas os dirigentes da educação assimilaram em pouco tempo trucagens e espertezas ensinadas pela cartolagem esportiva. Transformar fracassos em triunfos, por exemplo.
Foi o que fizeram os sites oficiais incumbidos de acompanhar o desempenho das seleções brasileiras. Em Madri, os craques da Matemática tiveram "o melhor desempenho da história". Conseguiram cinco medalhas de prata e uma de bronze, e garantiram ao Brasil o 16º lugar entre 97 países. É pouco. Ou muito, comparado aos outros. Nas disputas com representantes de 71 nações reunidas em Budapeste, a seleção brasileira de Química conquistou uma medalha de prata e uma de bronze. "Fomos os melhores entre os ibero-americanos", celebrou o site. "Fomos os melhores entre os latino-americanos", soltou fogos de artifício o site da Física, exultante com a medalha de prata e a medalha de bronze, fora as duas menções honrosas alcançadas em Hanói. Seguem desconhecidos os critérios usados pelo redator, que no mesmo texto omitiu a posição do Brasil entre os 82 concorrentes "porque as olimpíadas de Física não têm nenhum ranking". Tampouco as de Biologia, jurou o site vizinho, que acompanhou os duelos que mobilizaram em Mumbai 55 países. Pelo silêncio, deduz-se que o Brasil não brilhou nas guerras particulares travadas por latino-americanos, ibero-americanos ou afrodescendentes. Mas, pela primeira vez, um campeão dos tubos de ensaio aqui nascido ganhou uma medalha. De bronze, certo. Mas vale ouro. O corpo do Brasil vai mal, soube-se em agosto. A cabeça anda pior, deixou-se de saber em julho. Precisa melhorar o cérebro para cuidar do físico.
Desse grampo Dantas gostou
O grampo que registrou o diálogo telefônico entre o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres já entrou para a história da arapongagem. Foi o primeiro grampo a favor dos grampeados. Ambos ficaram bem no retrato e, por tabela, os favorecidos pelo ministro. Foi o grampo que tornou suspeitas mesmo escutas autorizadas pela Justiça. E foi o grampo que reduziu a irrelevâncias grampos que ajudaram a desmascarar bandidos juramentados como Daniel Dantas. É o tipo da idéia que Dantas gostaria de ter tido.
A testemunha que morreu de Brasil
Manoel Décio dos Santos, 42 anos, era a grande arma guardada pelo Ministério Público para manter na cadeia o ex-deputado Hildebrando Pascoal, ex-oficial da PM e especialista em fatiar desafetos com motosserras. Pela relevância das informações que reunira, Santos foi incluído no Programa de Proteção a Testemunhas do Ministério da Justiça. Deveria ficar todo o tempo em Brasília, cercado por policiais. Estava no fim de agosto num grotão de Goiás chamado Chapadão do Céu, à disposição de jagunços a serviço de Hildebrando. Foi assassinado a tiros. Mas morreu de Brasil.
Serial killer substitui promotor e juiz
Em agosto de 2000, o jornalista Antonio Pimenta Neves foi preso por ter executado com um tiro nas costas e outro na cabeça a ex-namorada Sandra Gomide. Em agosto de 2006, festejava o 6º aniversário da impunidade ultrajante quando os brasileiros Renato Correia de Brito, William César de Brito e Wagner Conceição da Silva foram presos pela polícia de Guarulhos, que os acusou de terem estuprado e matado a ex-namorada de Renato. Em dezembro, enquanto os três continuavam jurando ao promotor de Guarulhos que haviam confessado sob tortura o crime que não cometeram, o assassino confesso continuava livre e feliz. Soubera naquele mês, por decisão do Superior Tribunal de Justiça, aguardaria em casa o julgamento do pedido de anulação da sessão do Tribunal do Júri de Ibiúna que, em maio, o condenara a 19 anos e dois meses de cadeia. Neste setembro, Pimenta ganhou outro prêmio do STJ: caiu para 15 anos a pena que o Tribunal de Justiça, em 2007, já reduzira a 18. No mesmo dia 3, os presos de Guarulhos foram enfim libertados. Não pelo promotor nem pelo juiz, mas por um serial killer que confessou espontaneamente a autoria do crime. Pelo que fez em 2000, Pimenta ficou seis meses na cadeia. Pelo que não fizeram, três inocentes ficaram dois anos.
Só vira ministro quem é gente fina
Na edição especial do 40º aniversário, a revista Veja res gatou uma frase recitada pelo deputado Lula em 1988: "No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia, mas quando um rico rouba vira ministro". Já que veio para mudar, o presidente Lula só inclui no primeiro escalão gente de notório saber e reputação ilibada. Gente como José Dirceu, Romero Jucá, Antonio Palocci, Humberto Quadros, Mathilde Ribeiro, Walfrido dos Mares Guia, Anderson Adauto, Alfredo Nascimento, Benedita da Silva, Carlos Lupi, Geddel Vieira Lima ou
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