Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 03, 2007

MERVAL PEREIRA -

Muito vivo
Merval Pereira

Caetano Veloso que me desculpe, mas desconfiar de quem desconfia de Mangabeira Unger é uma atitude política temerária. Uma análise de sua atuação recente mostra que, longe de ser o “aventureiro do bem” que Caetano identificou, Unger não passa de um arrivista político em busca de poder, por mais efêmero que seja. Já esteve com Leonel Brizola, já esteve com Ciro Gomes, e, agora mesmo, submeteu-se a uma situação humilhante para ser confirmado na função de ministro de Lula, comandando uma secretaria de assuntos de longo prazo que ninguém sabe exatamente do que se trata. Ficou explícito para bom entendedor que o presidente Lula, ao revelar-se incomodado com um processo que Mangabeira Unger movia contra a Brasil Telecom, estava mesmo era querendo livrar-se do quase ex-futuro colaborador.

Pois Mangabeira fingiu que não entendeu o recado — vai ver não entendeu direito o sotaque do operário Lula —, abriu mão de cobrar os honorários de que se julgava credor — falam em US$ 2 milhões, o que dá a medida do valor do cargo, ou da vaidade desmedida — e confirmou que considerava “sagrado” o ministério.

Mesmo aceitando-se a desculpa esfarrapada de que só não muda de opinião quem está morto (ou quem é muito vivo), Mangabeira Unger mudou demais de opinião nos últimos tempos, e elaborou muitas teses políticas adequadas a cada um de seus momentos particulares, para que se acredite na sua boa intenção.

Na época do mensalão, escreveu que o governo Lula era “o mais corrupto da nossa história nacional”.

Em outubro de 2005, quando foi anunciada a criação do Partido Municipalista Renovador (PMR), hoje Partido Republicano, onde se via uma manobra do presidente Lula para se aproximar dos evangélicos através do vice José Alencar, Mangabeira Unger via uma “conspiração” de dentro do sistema para derrubá-lo através do próprio vice, que seria o candidato à presidência do novo partido, contra Lula e sua política econômica.

Dizia ele: “Ficará claro nos próximos dias que essa é uma iniciativa nos moldes da Aliança Liberal de 1929 para virar o jogo”.

A Aliança Liberal foi uma união de políticos de Minas e do Rio Grande do Sul contra a decisão do presidente da República Washington Luiz de fazer seu sucessor um outro paulista, Julio Prestes, em vez de um mineiro, rompendo o revezamento conhecido como “política do café-com-leite” .

A vitória de Julio Prestes na eleição acabou gerando crises que desaguaram na Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao poder. Na análise de Mangabeira Unger, registrada aqui na coluna, a Aliança Liberal foi feita por homens “que até o momento de sua construção eram parte do sistema oligárquico com que se governava o país, e fizeram uma conspiração cívica para derrubar aquele sistema.

A atuação de Antonio Carlos (Minas) e de Getúlio Vargas (Rio Grande do Sul) começou como uma dissidência do sistema, mas virou muito mais, virou uma conspiração para buscar apoios de fora do sistema para derrubá-lo”.

Mangabeira garantia que não fazia sentido classificar o projeto como da Igreja Universal. Se for, afirmava, “escolheram então as pessoas erradas, pois temos convicções arraigadas, somos inconformados com o projeto dominante no país e, sobretudo, determinados a virar a mesa”.

Ele se dizia apenas “interessado intelectualmente” no movimento evangélico e na sua relação com uma nova classe média emergente.

Na sua análise, “um fato social decisivo para qualquer orientação transformadora do Brasil hoje é o surgimento de uma nova classe média e de uma nova cultura de emergentes, que é esse pessoal que estuda à noite, luta para abrir um pequeno negócio, para ser profissional independente, que está construindo no país uma nova cultura de auto-ajuda e de iniciativa, e que já está no comando do imaginário nacional”.

Dentro desse contexto, o movimento evangélico precisava ser visto “como um elemento entre muitos dessa nova base social.

São dezenas de milhões de brasileiros organizados”.

Ele enfatizava que esse novo partido tinha que ser “de claro confronto com a orientação predominante no país abraçada pelo atual governo”, e recusava peremptoriamente a possibilidade de o vice José Alencar continuar como companheiro de chapa de Lula, levando o apoio do partido na reeleição.

Na sua alucinação, a partir do momento em que assinou a ficha do novo partido, o vice-presidente estava participando de uma conspiração.

Não era o que articulava o vice José Alencar, patrono da ida de Unger para o ministério. Convencido pelo presidente Lula, aderiu a mais uma aventura partidária do Bispo Macedo, que já havia sido seu parceiro no PL. O Partido Republicano foi criado pelos evangélicos da Universal para substituir a marca PL, manchada pelo escândalo do mensalão.

Em poucos dias conseguiram recolher nas igrejas espalhadas pelo país milhares de assinaturas para constituir um partido político, meta que o PSOL levou quase um ano para atingir pelos métodos tradicionais.

Mangabeira Unger podia ter sido enganado por uma manobra ardilosa de bastidores políticos que desconhece.

Mas, ao contrário de tudo o que disse e pensou, mergulhou de cabeça no projeto de poder. E o seu porta-voz hoje é o bispo-senador Crivella.

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