Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 03, 2007

Fonte de distorções Miriam Leitão

A corrupção tem um efeito econômico maior e mais deletério do que se calcula. Ela faz mais que elevar o preço dos contratos públicos — contamina a economia, compromete seu funcionamento. As empresas se preparam para as concorrências concentrando dinheiro e pessoas no esforço de montar a rede de irregularidades, encontrar os corruptíveis e tramar a fraude — esforços e recursos que deveriam estar concentrados em desenvolver o melhor projeto, o mais eficiente e o mais barato.

Uma parte da distorção econômica provocada pela corrupção está visível e é quantificável. Cada obra tem um sobrepreço. Foi essa conta que a SDE fez. É uma montanha de R$ 40 bilhões o custo da corrupção para a administração pública. Todas as obras e ações de governo seriam mais baratas não fosse a corrupção. Além disso, como as obras são malfeitas ou ficam inacabadas, o prejuízo é ainda maior.

Mas há vários outros desdobramentos que acabam nem sendo contabilizados nesses R$ 40 bilhões. São os intangíveis da corrupção.

Imagine a vida numa empresa que corrompe. Quem é promovido? Aquele funcionário que tem uma idéia inovadora para reduzir os custos da obra ou o que encontra o duto mais rápido para a autoridade, o político e o funcionário que serão corrompidos? Quem é mais valorizado? O funcionário idealista que sonha em construir casas populares com conforto para os moradores a preços baixos, ou aquele que imagina uma mutreta, como a de usar tubulações de baixa qualidade, para aumentar os lucros do empreiteiro? Quem tem acesso direto aos chefes e sabe os atalhos da estrutura hierárquica da companhia? O que tem limites éticos ou o que não tem? Uma empresa que corrompe vai apodrecendo aos poucos. Sua estrutura de valores e de poder começa a ser lentamente consumida pela lógica da corrupção.

Logo o roubo passa a ser o core business: o negócio da empresa não é mais fazer o trabalho em torno do qual foi organizada, mas, sim, a administração da rede de dutos pelos quais escoam os recursos dos contribuintes para mãos privadas.

O governo é o maior comprador na economia. Em qualquer país, as compras governamentais são fonte da cobiça dos fornecedores porque representam parte relevante do mercado.

Quando o que começa a valer nas disputas é a propina mais cara e a rede de influências mais bem alimentada por favores e mimos, os concorrentes passam a orientar nesta direção os seus esforços nas concorrências.

A que tinha o melhor projeto, não corrompeu e perdeu a concorrência, na outra disputa vai redirecionar seus esforços com base na lógica de que essa é a única forma de vencer.

O que significa que o governo que começa a decidir com base na corrupção dá incentivos para uma reestruturação da ação empresarial na direção de menos cuidado com o projeto em si, e mais esforços para a prospecção de canais para a relação fraudulenta.

Aos poucos, isso se espalha na economia. Grandes compradores privados também são afetados pela mesma maneira de fazer negócios num país que se corrompe.

Todo o fornecimento para o governo e para as grandes empresas privadas passa a ter sobrepreço que é pago, em última análise, pelo contribuinte e pelo consumidor. É como se parte importante da renda do cidadão acabasse sendo drenada para alimentar a rede de sobrepreços, propinas, fraudes. Por ter que pagar mais para ter um produto que poderia custar menos, o cidadão acaba tendo parte da sua renda expropriada para manter a rede de negócios ilícitos.

O dinheiro do cidadão entregue ao governo em forma de pagamento de impostos é malbaratado direta e indiretamente.

O custo da propina é colocado pelo corruptor no preço final da obra. Quando a desfaçatez é tal que a obra nem é entregue, o custo assume proporções ilimitadas.

Quando a obra é entregue, mas pela baixa qualidade dos materiais tem curta duração, o país incorre em custos duplos.

Veja-se aquela construção de casas populares feita pela Gautama em Duque de Caxias, no Rio, no governo Garotinho.

O GLOBO publicou uma estarrecedora reportagem mostrando que os canos dos esgotos estouraram, as ruas passaram a ser contaminadas, e as pessoas adoeceram. Além disso, as paredes estão com rachaduras, pondo os moradores em perigo. Tudo terá que ser refeito. O contribuinte pagou por uma obra superfaturada, pagará para ser refeita, pagará pelo atendimento de saúde aos moradores.

O custo da corrupção é incalculável. Ela aumenta o custo das obras públicas, incentiva a ineficiência, distorce as atividades empresariais, dissemina uma cultura deletéria que vai contaminando as empresas e se espalhando pela economia.

Uma obra malfeita que produz danos à saúde acaba produzindo um custo extra ao Sistema Único de Saúde, que é mantido pelos impostos dos cidadãos.

A corrupção torna o Brasil um país ainda mais injusto e desigual. Veja o absurdo de a corrupção se infiltrar dentro de um programa como o Luz para Todos.

Doze milhões de brasileiros não tinham acesso à luz elétrica quando ele foi iniciado; portanto, o objetivo, de início, era justo. Mas foi sobre esse programa que se abateram as aves de rapina. É uma escalada na perversão.

A inflação alta era uma doença que se desdobrava em vários efeitos colaterais: aumentava os custos públicos, aprofundava a pobreza e a desigualdade. Contra ela, o Brasil lutou por décadas. A corrupção que se alastra tem um potencial demolidor ainda maior. O pior custo poderá ser se ela acabar alimentando uma demanda no Brasil por autoritarismo. Não estamos diante de um inimigo trivial.

Ele é perigoso e letal.

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