O ataque do protoditador venezuelano Hugo Chávez ao Senado, classificando-o de submisso ao poder americano por ter criticado oficialmente o atentado à liberdade de imprensa que representou a não renovação da concessão da televisão mais popular da Venezuela, em retaliação à sua postura de oposição, é típico do oportunismo político e da visão autoritária que tem do exercício do poder. Serem atacados por defender a liberdade de expressão, por outro lado, era o que podia ter acontecido de melhor aos políticos brasileiros, no momento em que o Congresso se vê desmoralizado por escândalos de corrupção e pelo corporativismo exacerbado.
O Senado pode viver circunstancialmente uma situação deplorável, período que se prolonga por tempo maior do que o desejável, mas é uma instituição política respeitável e mostra que mesmo em situações de crise encontra seu melhor momento quando condena esse tipo de ação política antidemocrática.
O senador José Sarney, mesmo às voltas com denúncias que implodiram seu protegido Silas Rondeau no Ministério de Minas e Energia, e envolvido na operação de salvamento de seu companheiro de liderança política peemedebista Renan Calheiros, encontrou espaço para reviver os sentimentos democráticos que fizeram dele um presidente da República respeitável pela capacidade de convivência com os adversários, mesmo os mais violentos, apesar do governo medíocre que chefiou.
Seu discurso no plenário contra a cassação da concessão da RCTV marcou o início da tomada de posição do Senado como instituição democrática.
E certamente tem sua intervenção a atitude enérgica do governo brasileiro de ter chamado o embaixador venezuelano para dar explicações ao Itamaraty.
O presidente da Venezuela deve ter achado que um Senado desmoralizado pelos escândalos poderia ser malhado sem gerar protestos, mas se esqueceu de que, num regime democrático autêntico como o que está consolidado no Brasil, as instituições têm um valor intrínseco que independe das circunstâncias, mesmo que a corrupção endêmica possa ameaçar sua credibilidade junto à opinião pública.
Aliás, desmoralizar as instituições democráticas é a maneira que Chávez tem de fortalecer mais e mais seu próprio poder, e ele tenta transformar sua retaliação política contra a televisão venezuelana em ato administrativo legítimo, para mais uma vez burlar as normas democráticas que finge obedecer.
Politicamente, ele acusa os meios de comunicação privados de terem participado do golpe que tentou tirá-lo do poder em 2002, mas não é possível esquecer seu próprio passado golpista para lembrar que sua chegada ao poder, mesmo pelo voto popular, não anistiou seu ânimo antidemocrático que veio a se revelar intacto em manobras posteriores.
O que existe por lá é uma tentativa de amordaçamento da oposição, inclusive a jornalística, com constrangimentos legais e até mesmo ameaças pessoais, muitas vezes comandadas pelo próprio Chávez em seus comícios.
As “milícias bolivarianas” são grupos paramilitares que atuam em consonância com o governo, fazendo atentados e ameaçando os adversários, inclusive jornalistas.
Já tivemos aqui tentativas pateticamente semelhantes, como a do ex-governador Garotinho que, pelo rádio e nos comícios, incitava seus correligionários contra jornalistas que considerava seus adversários.
Não é uma figura de retórica radicalizada a lembrança de que Hitler também foi eleito, numa semelhança histórica assustadora com Chávez, até mesmo na veia histriônica que o caracteriza, assim como caracterizava Mussolini. Hitler foi eleito democraticamente após ter tentado tomar o poder à força em novembro de 1923, assim como Chávez tentou um golpe militar em 1992. Hitler foi eleito democraticamente e assumiu todos os poderes, como Führer da Alemanha nazista, assim como Chávez está fazendo na Venezuela, de plebiscito em plebiscito.
A reação do presidente Lula em defesa do Senado, depois de uma primeira declaração tíbia, mostra que nosso sistema político tem força própria. A cada movimento desses, a cada crítica da dupla Fidel Castro e Hugo Chávez ao projeto de etanol brasileiro, ou a cada crise política com a Bolívia de Evo Morales, mais se distancia o governo brasileiro de seus antigos parceiros prioritários, parceria que se justificava menos por uma visão esquerdista do mundo, e mais por uma estratégia geopolítica de união da América do Sul.
Que fazia sentido desde que aqueles países, e mais o Equador, tivessem uma visão de mundo compatível com a do governo brasileiro, cada vez mais realista e menos ideológica. Três anos de crescimento econômico na região fizeram com que a taxa de apoio ao regime democrático subisse para 58% no Latinobarômetro, um instituto chileno independente que faz pesquisas de teor político, ainda cinco pontos a menos que em 1997, o auge do apoio à democracia na região.
Mesmo as vitórias de presidentes com tendência à esquerda não têm o significado de que a região esteja dando uma guinada política. Hugo Chávez, por exemplo, não é visto como político de esquerda por 75% dos eleitores de seu país. A tendência majoritária na região vai do centro para a direita política. No Brasil, a situação pouco se alterou nos últimos dez anos, com a maioria dos pesquisados se colocando claramente no centro político.
Uma boa indicação disso é que Hugo Chávez é tão impopular quanto George Bush na região, apesar de sua ação antiamericana. Por mais que Hugo Chávez exacerbe sua atuação e, com a ajuda dos petrodólares, tente interferir na geopolítica da região se fazendo passar pelo herdeiro legítimo de Fidel Castro, a análise dos especialistas é de que, mais do que nunca, o Brasil reafirma sua liderança regional, especialmente pela recalibragem da política externa brasileira. O país que conta na região é o Brasil.
Entrevista:O Estado inteligente
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