Lasanha e dignidade
LONDRES - Tentei escrever este texto enquanto dava garfadas numa lasanha, na bancada de imprensa de Wembley, enquanto os jogadores brasileiros e ingleses se aqueciam.
Veio uma espécie de mordomo e me pediu para comer na sala ao lado, o pomposo "Media Lounge", onde os jornalistas saboreavam lasanha ou outra massa, vinho ou água, café ou chá, tudo grátis.
Tenho certo constrangimento com alimentação grátis para jornalistas, onde quer que seja, mas, ainda que quisesse pagar, não teria como. O pagamento não entra nos códigos de conduta do novo e belíssimo estádio londrino. Além disso, convenhamos, uma lasanha não bastaria para me convencer a escrever a favor da seleção inglesa, ou do estádio, ou do Reino Unido.
Sei que o leitor maldoso se perguntará: e quanto bastaria para me comprar? Não tenho a menor idéia.
Nunca tentaram. Ricardo Kotscho, ex-assessor de imprensa de Lula, costumava brincar, quando trabalhávamos juntos, que ninguém nos ofereceria suborno porque ficaria com medo de que denunciássemos a tentativa.
Bom, mas fugi um pouco ao tema. O que queria dizer é que me parece difícil que os estádios brasileiros consigam, se a Copa for mesmo para o Brasil, chegar ao grau de conforto, acessibilidade, instalações etc. etc. etc. do que há em Wembley (mesmo que se cobre, como é justo, a comida dos jornalistas).
Sei que parece deslumbramento com o chamado Primeiro Mundo.
Até é. Um leitor francês radicado no Brasil reclamou outro dia quando comentei os transportes públicos no percurso Paris/Bruxelas. Mas o ponto é outro.
Eu acho que o brasileiro não pode abdicar do sonho de ser tratado com toda a decência e dignidade, em estádios, nos ônibus, trens, metrôs, em casa, na rua, onde for. Se eu, da classe média, não me sinto tratado assim, imagino os do andar de baixo aos quais jamais alguém serve lasanha.
crossi@uol.com.br