Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

As difíceis relações entre sogra, noras e genros

Família
Almoçando com o inimigo

O conflito mais antigo do mundo – entre sogras, noras e genros – resiste às mudanças sociais. E piora com o tempo


Sandra Brasil

Lailson Santos

Zilda Nucci com as duas noras e os dois genros: nhoque, provocações e uma surpresa no final

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Trecho do livro

A empresária Zilda Nucci, 55 anos, de Sorocaba, interior de São Paulo, tem dois filhos e duas filhas. Todos casados, o que acrescenta duas noras e dois genros nos almoços familiares, aos quais não faltam nhoque à bolonhesa nem provocações. Zilda acha que os genros são "folgados", enquanto eles a chamam abertamente de "jararaca"; as noras, que ela considera "mandonas", se queixam de que Zilda sempre "toma as dores dos filhos". Os adjetivos cortantes se encaixam no clima cheio de brincadeiras da família, mas também retratam as tensões permanentes que permeiam esse tipo de relação – um dos mais avessos a mudanças. Enquanto o casamento passa por terremotos sucessivos, namorados dormem sob o mesmo teto domiciliar desde a adolescência, crianças surpreendem constantemente pela precocidade e vovozinhas de cabelos brancos só sobrevivem nos arquétipos coletivos, as sogras continuam a ser o que sempre foram. O que pode ser mais ou menos resumido assim: os genros ficam ressentidos porque acham que a santa mãezinha de sua cara-metade continua a querer mandar nela; já as noras têm certeza disso. "A mãe do homem é considerada a mais difícil de aturar. A mãe da mulher não está a salvo de críticas, mas as brincadeiras em relação a ela são mais leves", compara a escritora francesa Christiane Collange, mãe de quatro rapazes casados e autora do livro Nós, as Sogras, que a Sá Editora está lançando no Brasil.

Para escrever o livro, Christiane entrevistou mais de 100 mulheres em busca das manifestações contemporâneas do ancestral conflito entre noras e sogras, em que, em geral, as primeiras são vistas como vítimas das segundas, mas que pode dar lugar a todo tipo de combinações infelizes. "As noras que dizem 'odeio a minha sogra' não sabem quanto é difícil abrir mão de um filho, que deixa a casa da mãe para morar com outra mulher", contra-ataca Myriam Gewerc, uma das cinco sogras cariocas que "descobriram" o livro, identificaram-se com ele e fizeram a tradução. No coração ultra-sensível da mãe do filhinho querido, até gestos de completa banalidade podem causar sofrimento. "Não gosto quando as minhas noras pedem que meus filhos peguem alguma coisa para elas", assume a zelosa Zilda. O conflito tem suas raízes num tipo de sociedade em que os homens mandavam, as mulheres só tinham algum poder da porta da casa para dentro e conseguiam exercê-lo em sua plenitude apenas sobre a jovem desamparada que era entregue em casamento ao filho. As mulheres de status zero, pouco mais que escravas domésticas exploradas por sogras carrascas, não existem mais nas sociedades modernas, mas a psique humana guarda criteriosamente as origens da disputa. "A relação sogra-nora é uma guerra de poder entre duas mulheres para ter influência sobre o mesmo homem", resume a psiquiatra Iraci Galiás, que há trinta anos trabalha com terapia familiar em São Paulo. Para complicar, o casamento em geral acontece num momento delicado na vida das duas envolvidas: "A sogra está envelhecendo e a nora está deixando de ser filha". Iraci tem uma reveladora contabilidade baseada na experiência profissional: de cada dez mulheres que atende, oito têm ou tiveram algum conflito com a nora ou a sogra.

E os genros, sempre com aquele sorrisinho malicioso e um infindável arsenal de piadas de sogra? "Genro vive fazendo piada sobre sogras justamente porque tem mais liberdade com ela", diz Iraci. Está certo que é difícil não entender aqueles que não querem morar nem tão perto, a ponto de "ela" poder aparecer a todo instante, nem tão longe, para que chegue de mala para visitar. Mas a quantidade – e a qualidade – de escárnio que recai sobre as sogras atinge níveis francamente exagerados. "Fazemos parte de uma raça cuja imagem será sempre vista de forma negativa ou ridícula", critica Christiane Collange, que em seu livro estabelece regras de como uma sogra pode tentar desempenhar melhor seu papel – porque "perfeita nenhuma é" (veja quadro abaixo). Nesse campo minado, avisa ela, até elogio é mal interpretado e dois assuntos são absolutamente tabus: cozinha e cabelo. "Freia tua língua, domina teus gestos, reprime teus impulsos", prega a autora. Porque "é pouco provável que as coisas melhorem com o tempo. Ao contrário, quanto mais ele passa, mais as divergências se acentuam". Exceto, naturalmente, em casos milagrosos como o de Zilda Nucci. Pois, com todas as provocações familiares, ela desfruta uma situação rara. "No mesmo ano em que minha sogra trocou São Paulo por Sorocaba, nós também nos mudamos para cá. E sempre viajamos de férias juntos", conta um dos genros, Eduardo Wandke Soares. Não, não é piada – apenas um exemplo de como o afeto vence as maiores barreiras.

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