Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

Em busca da vida artificial


Os novos caminhos da engenharia genética
mostram que essa
antiga aspiração da ciência
está perto de se tornar realidade


Leoleli Camargo

Colin Anderson/Getty Images/Royalty Free

Nas últimas duas décadas, a manipulação de DNA – as moléculas que contêm as informações fundamentais dos seres vivos – possibilitou prodígios como a clonagem de animais, a produção de alimentos transgênicos e a criação de medicamentos. Agora, numa série de projetos em andamento em universidades e laboratórios independentes, os cientistas trabalham com uma visão totalmente nova da engenharia genética. Pela primeira vez, abrem-se caminhos para a realização de uma antiga aspiração humana: a criação de vida artificial. No procedimento convencional, manipular genes – trechos de DNA – consiste em transferi-los de um ser vivo para outro. As novas experiências usam DNA sintético, produzido em laboratório, para criar vírus e bactérias que não existem na natureza. Esses seres são programados para executar tarefas diversas, todas em benefício dos seres humanos e do planeta – como entrar na corrente sanguínea para detectar e destruir tumores e eliminar gases tóxicos que causam o aquecimento global. Essas experiências já vêm sendo reconhecidas como um novo braço da ciência, batizado de biologia sintética. "O código genético já existe há 3,6 bilhões de anos, quando começou a vida na Terra. Está na hora de reformulá-lo", costuma brincar o engenheiro Tom Knight, do laboratório de inteligência artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Os avanços na biologia sintética ocorrem em função do conhecimento cada vez maior que se tem sobre o genoma – ou conjunto dos genes – dos seres vivos. O primeiro genoma a ser decifrado foi o de uma bactéria, em 1995. Depois, foi decodificado o de vários animais. Essas conquistas permitiram ao pesquisador Craig Venter criar em 2003 um vírus artificial. Em 2001, concluiu-se a decodificação do genoma humano, o que abre a possibilidade, no futuro, de que modificações genéticas que vêm sendo feitas em organismos simples, os vírus e bactérias, sejam feitas também em pessoas. Por enquanto, nem mesmo os pesquisadores vislumbram o leque de possibilidades que esse salto proporcionará à ciência. Atualmente, as pesquisas ainda se concentram em controlar o funcionamento das células através da manipulação do DNA. "Não vai demorar muito para que possamos programar o comportamento das células da mesma forma que fazemos com um computador", diz o pesquisador Ron Weiss, da Universidade Princeton. Há dois anos, Weiss demonstrou o caminho que persegue ao programar bactérias E. coli para que se comuniquem entre si e produzam cores diferentes num tubo de ensaio.

Em sua busca por modificar o comportamento das células, a biologia sintética incorpora conceitos da engenharia elétrica. Eles estão por trás da pesquisa que tem encontrado maior repercussão nos meios acadêmicos, a que usa os chamados BioBricks, trechos de DNA sintético dotados de conectores nas duas pontas. Os BioBricks podem ser encaixados diretamente no DNA de uma célula, como se faz com as peças do brinquedo de montar Lego. Ao ser conectado, cada um deles modifica uma função da célula. Por enquanto, realizam-se experiências simples com os BioBricks, como fazer uma bactéria produzir aromas ou brilhar. "No futuro, em sua interação com as células, eles poderão deflagrar processos mais complexos, como detectar e tratar doenças e até produzir combustíveis alternativos", disse a VEJA o biólogo Drew Endy, integrante da equipe do MIT que desenvolveu os BioBricks. A idéia é que os BioBricks atuem como interruptores num circuito elétrico, ativando ou desativando funções dentro das células, sempre com precisão absoluta. Endy ajudou a criar uma "biblioteca" de BioBricks, disponível gratuitamente a pesquisadores e estudantes que queiram usá-los em suas experiências.

Alguns projetos da biologia sintética estão próximos de alcançar seus objetivos. Com um patrocínio de 42 milhões de dólares da fundação mantida por Bill Gates, dono da Microsoft, o engenheiro químico Jay Keasling, da Universidade da Califórnia, criou um microrganismo destinado a combater a malária. Um dos medicamentos mais eficazes contra essa doença é a artemisinina, extraída da planta artemísia. Ocorre que o processo de fabricação do remédio é complicado e caro. Keasling está prestes a torná-lo simples e barato. Seu experimento acrescenta ao código genético da bactéria E. coli genes da artemísia e de um fungo. O microrganismo resultante produz grandes quantidades de uma substância química que dá origem à artemisinina. Até 2009, Keasling espera produzir artemisinina em escala industrial dentro de tanques num laboratório.

Ao mesmo tempo em que comemoram suas conquistas, os pesquisadores da biologia sintética levantam temores sobre o uso indevido de uma tecnologia tão poderosa. O risco mais evidente é que seus conhecimentos sejam usados por terroristas para criar armas biológicas. Outra preocupação diz respeito a como os seres artificiais reagiriam fora do ambiente de laboratório, integrando-se à natureza. "Essas novas criaturas, por ser vivas, vão evoluir; por isso é preciso criar salvaguardas à forma como elas crescem, se multiplicam e agem", disse a VEJA o físico Steen Rasmussen, do Laboratório Nacional de Los Alamos, onde tenta criar uma célula artificial. Por fim, os cientistas temem a ação de amadores. Hoje, com pouco mais de 50.000 dólares é possível montar um laboratório caseiro de biotecnologia com equipamentos de segunda mão. Na internet, já existem sites que ensinam a isolar o DNA de uma célula ou como fazer uma bactéria brilhar sob luz ultravioleta. "O acesso irrestrito a essas informações produz riscos, mas deve-se levar em conta que a maioria das pessoas compra machados para construir coisas úteis, e não para sair pelas ruas atacando os outros", diz Drew Endy, do MIT. Como se vê pelos projetos da biologia sintética hoje em andamento, a perspectiva do que se espera alcançar compensa os riscos.





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