Artigo - Denis Lerrer Rosenfield |
O Estado de S. Paulo |
14/5/2007 |
Parece não ter limites a relativização da propriedade privada, prejudicando não apenas o desenvolvimento das empresas e a criação de empregos, mas também colocando fortes obstáculos à realização das liberdades. Quando a liberdade econômica começa a ser cerceada, esse cerceamento se amplia para outras esferas, atingindo os direitos civis, a liberdade de pensamento e expressão e as liberdades políticas. As sociedades que fizeram a experiência de supressão da propriedade privada, no socialismo e no comunismo, tiveram como desfecho a democracia totalitária, com a eliminação em massa de sua própria população. O objeto da lei deveria consistir em impedir que a liberdade fosse restringida ou limitada. Cabe ressaltar que a lei, no sentido estrito do termo, reside em proteger a liberdade e a propriedade. Logo, não seria qualquer lei nem qualquer Constituição que corresponderiam a essa definição. Há leis, por exemplo, que permitem atentados à propriedade, como aquela que os movimentos ditos sociais se utilizam para suas ações políticas, sob o manto do cumprimento da “função social da propriedade”. Se esse dispositivo constitucional serve para acobertar ações revolucionárias ou decisões judiciais que se voltam contra a propriedade privada e a economia de mercado, contra as liberdades, pode-se considerar que se trata de uma lei que estaria perdendo o seu objeto próprio. Se uma sociedade - vítima de ações violentas contra a propriedade privada no campo e, também, na cidade por parte do MST, do MLST, da CPT e de organizações congêneres - não consegue assegurar a propriedade, ela se torna refém de atos que procuram, na verdade, destruir a própria liberdade, embora aparentemente o façam sob o manto da justiça social. A violência revolucionária, desta maneira, ganha a cena política “legalmente” acobertada. Como se não bastasse, há em curso uma outra forma de relativização da propriedade, a que se apresenta sob a roupagem da “função racial da propriedade”, revestida do politicamente correto. Já há uma tentativa governamental, via o Decreto nº 4.887/2003, de estipular arbitrariamente o que é uma “quilombola”. A Constituição de 1988 assegurou corretamente, no seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os títulos de propriedade às comunidades de quilombos que estavam de posse das terras naquele momento. Trata-se de casos de regularização fundiária que não afetam os direitos de terceiros, reparando uma injustiça. Ora, o decreto em questão, objeto de uma ação de inconstitucionalidade no Supremo, altera, por mero ato administrativo, a definição de comunidade de quilombos, substituindo-a, arbitrariamente, lembrando a tradição da democracia totalitária, por terras “ditas” remanescentes de tais comunidades, que não possuem nenhuma relação direta com as terras em questão. Ou seja, introduz-se o critério da “autodefinição”, da “autodesignação” e da “auto-indicação”. Basta dizer essa “terra é minha” para que tenha início o processo de desapropriação, seguindo os trâmites da Fundação Cultural Palmares e do Incra, já ocupado majoritariamente por militantes do MST e da CPT. Se esse decreto permanecer, teremos uma outra onda de invasões, perpetuando o “abril vermelho” em “ano vermelho”, com a violência daí resultante. Não bastasse isso, tramita na Câmara dos Deputados o Estatuto da Igualdade Racial. O nome, politicamente correto, parece apenas preocupado com corrigir uma situação de injustiça. O demo mora aqui verdadeiramente nos detalhes, no caso o seu capítulo 6. Retomando boa parte das disposições do Decreto nº 4.887, ele o amplia, tornando-o válido não somente para a zona rural, mas também para a urbana. Conforme o Estatuto, basta um grupo determinado se autodesignar como preto e indicar uma terra como sua para que comece, por meio do Incra, por mero processo verbal, o processo de desapropriação, segundo peritos nomeados por essa parte que acompanharão todos os trâmites do processo. O arbítrio é total. Imaginem, numa população miscigenada como a brasileira, um grupo particular, por mera designação, dizer-se racialmente pertencente a certo grupo. Um belo dia, certas pessoas se organizam, segundo critérios raciais auto-atribuídos, para tomar posse de uma propriedade qualquer. Basta lá chegar e, conforme o arbítrio dessas pessoas, indicar uma propriedade como tendo feito parte de uma quilombola, na ficção mesma dessas pessoas. Claro que não faltarão certos antropólogos da “causa” para atestar, de acordo com critérios semânticos também esdrúxulos, que essas terras, outrora, foram quilombolas. Já há, inclusive, mapas arbitrariamente feitos, designando terras desapropriáveis, “comunidades de quilombos”, incluindo cidades inteiras. A cena está armada para desapropriações, invasões, cárceres privados e destruições, como ocorre atualmente com as ações do MST, MLST e CPT. A novidade consiste na ampliação do arbítrio, agora também válido para a zona urbana e não apenas rural. Qualquer casa e qualquer terreno para construção poderiam, se tal lei for aprovada, ser objeto de desapropriação. Evidentemente, o alvo preferencial serão, primeiramente, as empresas construtoras por personificarem a propriedade privada que deve, segundo esses agentes políticos, ser relativizada. Alguns pregam a sua supressão. O politicamente correto apareceria sob a forma do critério “racial” e o objetivo político consistiria em atingir os “negócios” “por definição” perniciosos. A liberdade começaria a ser atingida em seu aspecto econômico, visando aos “grandes” empreendedores, para, depois, chegar aos “médios” e “pequenos”, num processo cujo fim consiste na relativização total da própria liberdade. O MST seria rebatizado de “Movimento dos Sem-Trava”, urbanas e rurais poderíamos acrescentar. A liberdade seria ferida de morte em nome do politicamente correto. |
Entrevista:O Estado inteligente
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