ESTADÃO
Candidatura ao Bandeirantes caiu no colo de Serra, que se encantou com o projeto, garantem seus amigos
Carlos Marchi
José Serra nasceu predestinado a ser presidente do Brasil. E o primeiro a achar isso, antes de seus pais, aliados e admiradores, foi ele mesmo. Por esse sonho, queimou etapas: o mais paulista dos políticos brasileiros nunca pensou em ser governador de São Paulo, garantem seus amigos. Desde 2002, quando desperdiçou sua grande chance, ele se preparava para tentar novamente. Perdeu a indicação por causa de suas incertezas, alimentadas pelo trauma das rasteiras de 2002. No fim, a candidatura ao governo estadual caiu-lhe no colo.
A surpresa, revelada por vários amigos, é que ele agora está encantado com a idéia de governar o Estado, embora certamente apreciasse mais governar o Brasil. Antes mesmo de deixar a Prefeitura, já pediu números, informes e projetos novos para o Estado. Segundo um auxiliar próximo, ele disse que tem várias idéias novas e se diz empolgado em começar a governar um Estado "resolvido e ajustado", com as contas em dia e muito dinheiro em caixa. Nos últimos dias, todas as conversas para sair da Prefeitura já incluíram cálculos sobre os assessores que deixará e os assessores que eventualmente levará para o Estado, se vencer as eleições.
Nos últimos seis meses, Serra viveu uma queda-de-braço atípica com o governador Geraldo Alckmin pela indicação presidencial do PSDB. Atípica, porque um dos braços empenhados na disputa - o dele - nunca se materializou. O governador começou a sair a campo no segundo semestre de 2005, visitando alguns Estados sem dizer-se candidato. A partir de dezembro, declarou-se em disputa e começou, lentamente, a construir uma vantagem que ao fim foi fundamental para que ele batesse o prefeito.
Serra concorreu sem dizer que concorria, temeroso de anunciar-se candidato depois de apenas um ano como prefeito de São Paulo, cargo que prometeu exercer até o fim, o que o constrangia a ficar. No fundo, explicam seus aliados, ele temia, mais que tudo, os desacertos que fizeram naufragar sua campanha em 2002.
O trauma da divisão do partido, potencializado pelo desvanecimento do sonho, foi o grande fantasma que bloqueou Serra na disputa com Alckmin. Mesmo sem dizer-se candidato, ele esteve à frente do governador, na preferência da cúpula do partido, todo o tempo. O principal argumento a protegê-lo foi a competitividade contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele chegou ao auge da preferência partidária quando passou Lula na intenção popular. Seria ultrapassado perto da linha de chegada, por sua insistência em só aceitar a candidatura mediante o abraço coletivo do PSDB inteiro - inclusive Alckmin.
PESQUISAS
O PSDB resolveu fazer baterias cruzadas de pesquisas quantitativas e qualitativas em todo o País, tarefa executada pelo cientista político Antônio Lavareda. Os resultados finais foram muito favoráveis a Serra, o que lhe fortaleceu a primazia junto à cúpula do partido. Naquele momento, se fizesse um mínimo sinal, Serra seria ungido candidato: por ele, desde o início, batia o coração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; logo Aécio passou a apoiá-lo, principalmente porque Serra lhe garantiu que, presidente, só ficaria um mandato (e Aécio pode ser candidato em 2010).
As pesquisas de Lavareda convenceram Tasso. Serra passou a contar com os três votos. Mas Alckmin fincou pé em sua candidatura, o que negava a unanimidade que o prefeito exigia. A disputa tucana virou uma novela sem final à vista e, pior, com a possibilidade de um desfecho infeliz. Alckmin chegou a falar em prévia dentro do partido, o que, no PSDB, está perto de ser uma maldição. Depois recuou. Aos poucos, começou a ganhar a simpatia do triunvirato, irritado com a indefinição de Serra.
Todo o tempo, o governador se expunha cada vez mais como candidato, desempenhando um papel que Serra se julgava impedido de cumprir, por seu mandato na Prefeitura.
Nas muitas conversas com o triunvirato, Serra recusou-se a aceitar uma candidatura a todo custo, argumentando que precisava de tempo para decidir. Quando março chegou, o triunvirato marcou prazo - a decisão viria, irrecorrivelmente, até o dia 13. Pressionado pelos três, Serra continuou insistindo em ganhar tempo, afirmando que precisava fazer novas avaliações. Fez incontáveis pesquisas próprias para saber a reação do eleitorado paulistano se ele deixasse a Prefeitura.
FUGA E XEQUE-MATE
Os resultados foram favoráveis, mas nem assim ele se decidiu. Ainda se sentia a cavaleiro, principalmente porque as pesquisas da época não mostraram evolução de uma hipotética candidatura Alckmin. Mas, antes de terminar a primeira semana de março, ele já não tinha o mesmo favoritismo de antes - a candidatura que fora sua por pelo menos dois meses inteiros agora lhe fugia entre os dedos.
Cansados e desgastados pela tarefa de escolher o candidato, os integrantes do triunvirato resolveram desaparecer a partir do carnaval. Aécio foi com a filha Gabriela para uma estação de esqui no Canadá, Fernando Henrique partiu para um seminário no Equador e Tasso refugiou-se em sua fazenda, na serra do Baturité, interior do Ceará.
Quando voltaram, os três procuraram Serra e lhe cobraram uma resposta imediata. Mais uma vez ele refugou, dizendo que precisava de mais tempo. Nessa conversa, foi Aécio quem lhe deu o xeque-mate, dizendo-lhe que não havia mais prazo: naquele momento, era sim ou não.
Serra ainda tentou empurrar a decisão. Ganhou não mais que um dia, graças à superstição de Tasso, que não toma nenhuma decisão nos dias 13. O triunvirato deu-lhe até a manhã do dia 14 de março para um "sim" ou um "não".
No dia 14, ainda assim, Serra não respondeu ao triunvirato com um "sim" ou um "não" incondicionais; voltou, uma última vez, a insistir em que sua resposta final era "sim", mas esse "sim" encerrava uma condição: a velha e surrada tese do abraço coletivo do partido, incluindo Alckmin. O triunvirato deu por encerrada a conversa e foi ungir Alckmin como o candidato do partido à Presidência.
ESTRATÉGIA
O governador mostrou que, além de uma boa estratégia para ganhar dentro do partido, tinha bons planos para ganhar fora. Quando os dois ainda disputavam, os partidários de Alckmin começaram a disseminar a idéia de lançar Serra para o governo do Estado. No início, os aliados do prefeito ficaram furiosos e descartavam inteiramente a hipótese. Depois da escolha de Alckmin para concorrer à Presidência, a resistência caiu completamente.
Serra ameaçou repetir a novela da primeira fase, mas agora tinha uma barreira insuperável à sua frente - o calendário eleitoral, que obriga à desincompatibilização dos que ocupam cargos públicos e querem concorrer nas eleições de outubro até o dia 31 de março. Desta vez, Serra não pôde negociar por três meses, mas arrastou a decisão até o prazo que lhe era possível postergar.