o globo
No ano eleitoral, a governadora voltou a aparecer. Na Sapucaí. Porém, duas semanas antes, no episódio no qual traficantes cruzaram a cidade ostensivamente e invadiram a Rocinha, atirando em transformadores e em gente inocente, a governadora Rosângela Matheus nada disse. Nem o que achava, nem o que deixava de achar. Ninguém se deu conta, nem mais presta atenção. Foi o mesmo silêncio que se ouviu nas enchentes de dezembro. Não apareceu nem para lamentar. Depois de várias licenças médicas, foi vista de pernas para o ar, em Bonito.
A ausência da governadora foi constrangedora no começo. Criou problemas em visitas do presidente Lula ao estado. Irritou empresários quando atrasavam o início de algum evento à sua espera. Hoje ninguém mais nota. O Rio vive a estranha história da governadora que sumiu.
Há mais de ano, não vai a qualquer evento da Firjan. “Ficou de mal”, conta um empresário, depois de um evento que a governadora achou que estava montado para falar mal do governo dela. Era um seminário sobre a revitalização do Rio. Não foi, nem mandou representante.
Durante os últimos três anos, tem cumprido o que disse em resposta à ex-prefeita Marta Suplicy. Na época, criticada, respondeu que estava “à disposição dos propósitos eleitorais do meu (dela) marido”. Foi o que fez e ainda faz. O nome do marido está sempre na frente nas propagandas do governo. Foi sempre ele que esteve no comando das reuniões e na tomada de decisões. No início, nem cargo oficial ele tinha, mas presidia reuniões no Palácio Guanabara e até com o governo federal.
As vans do Rio circulam há semanas com um adesivo “Obrigado, Garotinho, Rosinha”. Nesta ordem. Ninguém, nem mesmo os partidários, faz esforço para esconder o óbvio: que ele comanda o governo dela. Depois que Garotinho saiu para se dedicar inteiramente à sua campanha, o Rio vive inteiramente sem governo.
No estado, não falta dinheiro, falta governo. A alta do petróleo tem beneficiado enormemente os cofres estaduais. Não se vê isso em melhoria de coisa alguma. No governo Marcello Alencar, o Rio recebia R$ 36 milhões por ano de royalties ; no governo Rosinha, tem recebido R$ 3,3 bilhões, em média, só com o petróleo, somando royalties e participação especial.
A anomalia no Rio é tanta que a população nem se lembra que existe um trabalho de representação que a governadora deveria fazer. Nas crises e nas tragédias, os governantes costumam aparecer e dar uma palavra. Ou de conforto, ou de garantia de que tudo será apurado e superado. É rotina. Não no Rio.
O site da governadora registra no dia 12 de dezembro a inauguração de obras em Araruama. Era uma segunda-feira depois de um fim de semana dramático, em que temporais por todo o estado deixaram mortes e desabamentos. A governadora nada tinha a dizer. Quando falou algo, dias depois, foi para reclamar do estado da estrada que vai para Campos.
Nos eventos em que o presidente da República comparece, em projetos ou obras de interesse da população, é protocolar que o governador do estado também apareça. Não no Rio. Em dezembro, quando Lula veio lançar o Conselho de Desenvolvimento da Baixada, junto com a Firjan, ela não apareceu e depois explicou que está “enjoada” do governo federal. Falta a Rosinha a compreensão do elementar: a agenda de um governante não é feita de encontros com as pessoas das quais se gosta. Gostar ou não gostar são categorias que pertencem à vida pessoal, não à pública.
Sua agenda oficial divulgada pelo Guanabara é um vasto vazio. No dia 21 de dezembro, houve a inauguração de obra de esgoto em Vila Capri; no dia 30 de dezembro, o Diário Oficial registrou a sanção da lei que cria o dia do artista circense; no dia 3 de fevereiro, a governadora esteve na inauguração de uma sala de internet em Paty do Alferes; no dia 9 de fevereiro, inauguração de um conjunto habitacional; no dia 14, reforma de uma escola em Campos e de salas de cinema em São Fidélis; no dia 20, inauguração de um posto médico em Sepetiba e, no dia 22, inauguração de um frigorífico em Areal.
E, mesmo nos poucos eventos que estão agendados, ela às vezes não comparece, ou chega tarde. A própria assessoria da governadora não sabe o que fazer diante das ausências e dos atrasos. Apesar disso, Rosinha, de vez em quando, sai de licença médica alegando estresse por sobrecarga de trabalho, como aconteceu em novembro do ano passado.
Doença foi a mesma alegação para a governadora não receber a comissão de coordenação dos Jogos Pan-Americanos que vai trazer para o Rio investimentos, emprego, renda. A comissão chegou a ir ao Palácio e lá foi atendida pelo vice-governador, Luiz Paulo Conde.
Ausente no governo, ausente no próprio partido. No fim de 2004, o PMDB fez uma convenção em Brasília em que os destaques eram seus governadores. Os jornais daqueles dias trouxeram fotos dos governadores peemedebistas juntos e, entre eles, Garotinho. Rosinha era esperada apenas no fim do dia pelo marido para comemorar o aniversário de casamento. Acabou não podendo ir por causa do acidente que sofreu no Rio. Mas, se fosse, seria para a comemoração privada. Pelo Rio, Garotinho falava. O Rio está assim, cheio de anomalias, e se acostumando a elas.