Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 07, 2006

VEJA O pacote que é uma vergonha


Trinta bilhões de reais serão gastos
em obras inúteis ou improvisadas,
para tentar salvar Lula do vexame
nas próximas eleições


Otávio Cabral


Ilustração Baptistão

Ano eleitoral é ano de pacote de obras e período de abrir as burras de dinheiro público. Todo governante que quer se reeleger segue essa cartilha. Mas Lula mais uma vez surpreendeu negativamente. Como resume um editorial do jornal O Estado de S. Paulo: "O presidente Lula acaba de lançar o mais descarado pacote eleitoral da história brasileira, o de orçamento mais caro e o mais ostensivamente improvisado". O governo gastará cerca de 30 bilhões de reais para tentar remendar o estrago causado pelo descalabro administrativo dos últimos três anos. O dinheiro será empregado em obras de grande visibilidade, como hidrelétricas e ferrovias, e numa megaoperação tapa-buracos nas rodovias federais. Para não falar, é claro, dos tais programas sociais que consistem em colocar dinheiro nas mãos dos pobres. Ainda que com objetivos eleitoreiros, as obras seriam uma boa iniciativa, caso resultassem em benefícios concretos e duradouros para o país. Não é disso que se trata. A farra bilionária só servirá mesmo para maquiar os aspectos mais feios da falta de infra-estrutura brasileira.

O mais curioso é que Lula finge não ser candidato. Na semana passada, na entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, disse que ainda não decidiu se vai disputar a reeleição em outubro. A decisão, contudo, está mais do que sacramentada. Lula já começou a escolher a equipe de campanha, organiza a agenda de acordo com o calendário das eleições e prepara uma estratégia para tentar convencer os cidadãos de que sua administração conseguiu conciliar a estabilidade econômica com progresso, o que justificaria um segundo mandato – é aí que entram os 30 bilhões de reais. A verdade é que não resta alternativa ao presidente a não ser concorrer. As últimas simulações feitas pelos institutos de pesquisa mostram que, se as eleições fossem hoje, Lula seria derrotado – e dificilmente o quadro mudará até outubro. Se desistisse da disputa, no entanto, o presidente estaria soterrando sua carreira política e deixando em agonia o próprio PT – uma saída por demais humilhante e que poderia ser interpretada como confissão de culpa.

E lá vamos nós gastar dinheiro. Quer dizer, lá vai Lula gastar o nosso dinheiro. O destino dos recursos do pacotão está sendo definido diretamente pelo presidente da República. Tudo a toque de caixa, bem ao estilo petista de administrar. Na véspera do Natal, por exemplo, Lula convocou o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, para uma reunião no Planalto. Determinou a ele que providenciasse um plano emergencial de recuperação das rodovias. Apenas três dias depois, o ministro retornou ao gabinete do presidente com a proposta de investir 440 milhões de reais para tapar buracos em 26.000 quilômetros de rodovias. O presidente deu sua chancela, mas o próprio ministro dos Transportes, em um lapso de sinceridade, admitiu que os remendos têm um prazo de validade curto, não devendo ultrapassar o fim do ano. O engenheiro Ivan Whately, coordenador da divisão de transportes do Instituto de Engenharia de São Paulo, explica que as estradas brasileiras estão tão envelhecidas que a sua base precisa ser recuperada. "É preciso refazer a drenagem, recuperar os pisos inferiores, para só então recolocar o asfalto", afirma Whately. Ou seja, sem isso, os 440 milhões de reais vão literalmente para o buraco. Os especialistas afirmam que um trabalho sério de recuperação das estradas consumiria 1 bilhão de reais e levaria sete anos.

Na semana passada, dando prosseguimento à formatação do pacote eleitoral, Lula reuniu ministros para anunciar um conjunto de obras de infra-estrutura que deveriam sair do papel neste ano. São seis hidrelétricas e duas ferrovias. O anúncio, de novo, foi precipitado no caso das hidrelétricas. Como não convidaram o Ministério do Meio Ambiente para a reunião, ninguém lembrou que, para iniciar a construção de uma hidrelétrica, o governo precisa de licença ambiental. Das seis obras anunciadas, apenas três estão em condições de realmente ser começadas, já que uma, no Paraná, está embargada exatamente por problemas ambientais e duas, em Rondônia, dificilmente terão o processo de licenciamento concluído a tempo. Vale lembrar que no mês passado o governo fracassou em atrair investidores privados para o leilão de grandes projetos de usinas.

O cronograma de obras prevê, ainda, o anúncio de liberação de dinheiro para a transposição das águas do Rio São Francisco, outra gastança que só servirá mesmo para transpor verbas para os bolsos dos coronéis nordestinos. O governo criou até uma espécie de comitê de inaugurações, cujos responsáveis são os ministros Jaques Wagner e Luiz Dulci, que já estão agendando a inauguração de quatro universidades federais e 25 escolas técnicas. Agora vai.

"O Lula está com a manga arregaçada. É um candidato em campanha", disse a VEJA um ministro próximo ao presidente. Além das obras, Lula pretende viajar o país inteiro e, é lógico, investir mais em publicidade. A verba para 2006 é 46% maior que a do ano passado. Isso mesmo, leitor, 46% maior do que aquela do carequinha. O presidente também assumiu as articulações políticas. Sua candidatura será oficialmente anunciada em março. Até lá, pretende cuidar pessoalmente da composição de alianças, missão que, na eleição passada, foi executada por José Dirceu com a ajuda das malas do tesoureiro Delúbio Soares. Este talvez seja o maior de todos os problemas políticos do presidente em busca da reeleição: a falta de malas de dinheiro. Hoje, do amplo leque de partidos que apoiaram sua eleição e sustentaram o início de seu mandato no Congresso, Lula conta apenas com os nanicos PSB e PCdoB para a reeleição. O principal alvo da cobiça do governo é o PMDB. Com ou sem alianças, Lula não desiste mais da campanha. Conforme disse a um de seus ministros antes de sair de férias, na semana passada, quer ao menos entregar o cargo ao sucessor com um gordo cartel de realizações, uma espécie de legado de governo do PT. Acha que, assim, salva o partido da morte prematura e preserva sua biografia, para, se for o caso, voltar a concorrer mais adiante. Lula é mesmo um sonhador – com o dinheiro alheio.

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