Enquanto Lula ignora as provas
do relatório parcial da CPI, a comissão
prepara 100 pedidos de indiciamento
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Fábio Portela e Victor Martino
Reprodução/O Globo ![]() |
| O show do presidente Lula, em entrevista ao jornalista Pedro Bial, da Globo: é Fantástico! |
A primeira aparição do presidente Lula em 2006 foi espantosa. No último domingo, numa entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Lula conseguiu a proeza de gastar 34 minutos – uma enormidade para padrões televisivos – sem dar nenhuma explicação sobre as denúncias de corrupção que estarreceram o país em 2005. Confrontado com a avalanche de provas já reunidas pelo relatório parcial da CPI dos Correios, apresentado no fim do ano passado, Lula saiu-se com uma pérola. Assumiu que não leu o documento e deu a seguinte justificativa: "Nem poderia ler. O presidente da República tem informações dos relatórios pelos assessores". De fato, as 436 páginas seriam uma leitura indigesta para o presidente, notoriamente avesso a textos que ultrapassem trinta linhas. Mesmo a versão condensada, com apenas 74 folhas, poderia ser um exercício muito penoso. VEJA examinou a versão integral e aqui oferece um resumo a Lula. Quem sabe ele deixe a preguiça de lado e evite vexames nas próximas entrevistas.
As provas colhidas são tão robustas que os parlamentares da CPI já decidiram: no relatório final, a comissão pedirá ao Ministério Público e à Polícia Federal o indiciamento de, pelo menos, 100 pessoas. A lista completa ainda não está fechada, mas na semana passada VEJA obteve de três parlamentares do alto-comando da CPI uma relação dos que não escaparão:
• o senador tucano Eduardo Azeredo (a maior surpresa até agora);
• dezessete deputados que sacaram no valerioduto;
• dois ex-ministros: José Dirceu e Luiz Gushiken;
• os três principais dirigentes do PT na era Lula: José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira;
• o ex-deputado Roberto Jefferson;
• os donos dos bancos Rural e BMG;
• o lobista Marcos Valério;
• Duda Mendonça e outros dez publicitários;
• seis dos maiores doleiros do país;
• diretores de estatais como os Correios, o Banco do Brasil e o IRB e um procurador da Fazenda Nacional.
Para chegar a esse resultado, a CPI cruzou milhares de informações: comprovantes bancários e fiscais, extratos telefônicos e contratos entre estatais e empresas de Marcos Valério, o operador do mensalão em parceria com Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Os documentos foram processados por um programa de computador, o I2, capaz de estabelecer as conexões existentes entre diferentes bases de dados. A partir desse levantamento, a CPI conseguiu comprovar a existência do mensalão, obviedade negada pelos petistas, que desenvolveram o que parece ser uma psicose ao criar um mundo paralelo tão distante dos fatos (veja quadro).
Num primeiro momento, o relatório derruba a versão apresentada pela dupla Valério-Delúbio para a monumental movimentação de 55 milhões de reais em direção aos cofres de partidos aliados, e aos bolsos de petistas e deputados simpáticos ao governo. Os dois dizem que o dinheiro é fruto de empréstimos tomados por Valério junto aos bancos Rural e BMG e que a quantia foi transferida para pessoas e partidos indicados por Delúbio. Trata-se de uma sucessão de farsas: 1) não há nenhum contrato assinado entre Valério e o PT para repasse do dinheiro; 2) os contratos com os bancos têm garantias incompatíveis com seus valores, como o aval do ex-presidente petista José Genoíno, dono de patrimônio inexpressivo; 3) os empréstimos não foram pagos, e os bancos nunca se preocuparam em cobrá-los.
Após desmascararem a mentira, os parlamentares da CPI foram em busca da verdadeira origem da dinheirama. O segredo começou a ser desvendado a partir da análise da contabilidade das empresas de Valério. A CPI descobriu que pelo menos 20 milhões de reais que abasteceram o valerioduto saíram dos cofres públicos, no caso o Banco do Brasil. Em uma operação intrincada, o dinheiro era repassado por um fundo de investimentos da Visanet, empresa da qual o banco é o principal acionista. Os depósitos eram feitos em contas do lobista, a título de "adiantamento de prestação de serviços" de publicidade – aliás, nunca prestados. Em seguida, o empresário fazia aplicações financeiras no próprio BB e depois repassava o dinheiro para os mensaleiros. Por fim, a CPI também comprovou que o dinheiro surrupiado do Erário tinha duas finalidades principais: pagar deputados que fechavam com o governo em importantes votações da Câmara e financiar a transferência de parlamentares de partidos da oposição para legendas da base aliada.
Mesmo com essa enxurrada de provas, a CPI correu um sério risco. Nas últimas semanas, o governo agiu com força para melar o relatório final da comissão, que será apresentado em fevereiro. A senha foi a absolvição pela Câmara, no fim do ano passado, do petebista e mensaleiro confesso Romeu Queiroz. A manobra, orquestrada pelos governistas, também pretendia desmoralizar as investigações da CPI. A reação foi imediata. Os parlamentares da comissão concluíram que, para evitar a vitória dos pizzaiolos petistas, o relatório final deveria conter um extenso rol de indiciados. Da lista, não escapou nem mesmo o senador Eduardo Azeredo. O tucano teve sua campanha para o governo de Minas Gerais, em 1998, custeada por um esquema criado pelo mesmo Marcos Valério. Até então, Azeredo estava incólume. Mas uma rebelião na cúpula da comissão, que não admitia deixar apenas o PSDB de fora do relatório, selou seu destino. "É melhor desistir. Vocês não vão ganhar todas", avisou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral, ao colega Tasso Jereissati, presidente dos tucanos, segundo relato de um membro da comissão.
Mesmo com a inclusão de Azeredo, os governistas ainda não desistiram de tentar melar a CPI. Já escalaram até um deputado – Carlos Abicalil, petista de Mato Grosso e integrante da comissão – para o trabalho sujo. Abicalil é um especialista em trabalhos sujos, como aquele que fez ao tentar esconder Bob Marques, o capacho de José Dirceu, autorizado a sacar 50.000 reais do valerioduto. "O que foi divulgado até agora é muito parcial. Dependendo do texto final, apresentaremos um relatório paralelo", diz Abicalil, insinuando que pode providenciar para a comissão o mesmo fim dado à CPI do Banestado, que terminou em pizza. Abicalil não tem mesmo limites. Também convocou uma entrevista coletiva para tentar desmentir a informação divulgada pela CPI de que o dinheiro do Banco do Brasil acabou nas mãos do lobista Marcos Valério. Mas as artimanhas do petista encontraram a resistência do relator da comissão, o deputado paranaense Osmar Serraglio: "O país inteiro acompanhou a CPI. Se alguém acha que tem força para desmentir o que toda a população testemunhou, que tente fazê-lo".
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