Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 22, 2006

Tucanos dão a largada no debate da política econômica do novo governo

OESP

Tucanos dão a largada no debate da política econômica do novo governo
Plano criado por Mendonça de Barros, que assessora Geraldo Alckmin, combina cortes de gastos e juros baixos

Patrícia Campos Mello

O ninho tucano abriu a temporada de discussões do programa econômico para a campanha eleitoral. Luiz Carlos Mendonça de Barros, conhecido como Mendonção, conselheiro do governador Geraldo Alckmin para economia, já apresentou um programa preliminar, em debate no PSDB. O principal pilar da proposta é a combinação de política fiscal apertada e monetária frouxa, isto é, corte de gastos públicos e redução significativa dos juros

. Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), também prepara um programa preliminar para a área de comércio exterior e política cambial. O presidenciável e prefeito de São Paulo José Serra, que causou estranheza com sua proposta de 'lei de responsabilidade cambial', enviou um depoimento ao Estado explicando suas posições sobre câmbio e política monetária.

O relatório de Mendoça de Barros, a que o Estado teve acesso, apresenta propostas para política fiscal e monetária, câmbio, regime de metas de inflação e administração da dívida pública. Para tornar a política cambial mais eficiente e evitar a valorização excessiva do real, o economista receita um aumento da corrente de comércio (com liberalização da economia e aumento de importações) e redução significativa dos juros.

"A redução dos juros não resolve, por si só, o problema da sobra de dólares. É necessário maior crescimento econômico, mais importações e maior corrente de comércio", observa Mendonça de Barros, que já presidiu o BNDES. "A maior abertura comercial elevará as importações em um contexto de maior crescimento, sendo saudável para o País". Isso, aliado à redução de juros, evitaria a supervalorização do real por causa da entrada excessiva de dólares. Mas a maior abertura da economia seria acompanhada de redução da carga tributária e do custo do capital das empresas, para que sejam competitivas.

Serra critica a "valorização artificial do câmbio". "O equívoco da política de juros desacelerou a economia, pressionou as contas públicas e valorizou artificialmente o câmbio. Estimula a entrada de dólares e, ao retrair o crescimento da economia, também freia as importações", disse Serra.

O prefeito ressalta que não defende controle do câmbio – alguns tucanos temem que o presidenciável vá defender um programa "voluntarista", com intervenções mais pesadas na economia. Ele diz que apóia o tripé câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal, mas critica a dosagem errada. "A dosagem faz o veneno. Por que, entre tantos países que adotam metas de inflação, nenhum tem juros reais sequer próximos dos brasileiros? Por que tantos países que adotam o câmbio flutuante não tiveram suas moedas tão apreciadas?"

Giannetti, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), fez uma palestra sobre comércio exterior para Alckmin no fim de novembro. Agora, dedica-se a preparar um programa. Ele sugere dar continuidade à política dos ministros Luiz Fernando Furlan e Roberto Rodrigues, mas propõe mudanças na área cambial e de política externa. "O BC não precisa ter meta de câmbio, mas tem de se preocupar com efeitos de suas políticas. O BC está distorcendo nossa competitividade." Giannetti, por meio da Fiesp, apresentou uma proposta de reforma da legislação cambial, que está sendo examinada no Senado.

Na área fiscal, Mendonção prega maior flexibilidade no orçamento para permitir uma combinação de política fiscal apertada e monetária frouxa (o contrário da política atual). Ele propõe a manutenção do regime de metas de inflação, mas com maior flexibilidade (uso dos núcleos de inflação e prazos que não se restrinjam ao ano calendário). Mas com inflação de 5% ao ano. Alongamento da dívida pública e foco em papéis indexados ao IPCA ou prefixados seriam adequados, diz.


DEPOIMENTO: JOSÉ SERRA

Quando falei em lei de responsabilidade cambial, foi num sentido figurado. Quis dizer que não basta termos responsabilidade fiscal. É preciso também responsabilidade cambial e monetária.

Não dá para deixar o câmbio e o déficit público exclusivamente como resíduos da política monetária. O equívoco da política de juros desacelerou a economia, pressionou as contas públicas e valorizou artificialmente o câmbio. Estimula a entrada de dólares e, ao retrair o crescimento da economia, também freia as importações. Se os juros não foram a única causa da valorização cambial, certamente tiveram peso decisivo: a taxa real de juros projetada – acima de 12% ao ano – é cerca do dobro daquela do país segundo colocado. No ano passado, a taxa real média foi 13,5%! Em 2005, o real foi valorizado em algo próximo de 20%, quatro ou cinco vezes mais que a média latino-americana. Por causa disso, devido ao encolhimento das exportações, só no Rio Grande do Sul 30 mil pessoas perderam o emprego no setor de calçados, que, aliás, é muito eficiente. Em Franca, foram 7 mil desempregados. Vamos perdendo mercados para a China, que hoje importa técnicos gaúchos para aprender a fazer sapatos. Enquanto isso, só com os desempregados gaúchos, o gasto público com o seguro desemprego aumentará cerca de R$ 90 milhões em seis meses e a arrecadação da Previdência cairá R$ 20 milhões.

Não defendo controle do câmbio – fui crítico do câmbio quase fixo quando foi praticado. Aliás, creio que fui o primeiro, no início de 2002, a lançar no debate nacional a expressão tripé da política macroeconômica: câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Por isso, posso criticar a dosagem errada. A dosagem faz o veneno. Por que, entre tantos países que adotam metas de inflação, nenhum tem juros reais sequer próximos aos brasileiros? Por que tantos países que adotam o câmbio flutuante não tiveram suas moedas tão apreciadas quanto o real?Quando houver coordenação correta da política macroeconômica e uma política monetária inteligente, a taxa de câmbio não evoluirá de forma tão danosa.

O debate sobre a falta de crescimento da economia brasileira não se esgota nessa questão de juros e câmbio desequilibrado. Outros fatores, além dos encargos financeiros, também elevam o custo do capital no Brasil, como a carga tributária excessiva e a infra-estrutura precária... Nossa taxa de poupança é baixa, mas ainda assim tem se mantido no nível histórico. Mas os preços relativos dos bens de capital cresceram além da conta. O investimento público atingiu o nível mais baixo da história. Sequer andam os projetos pilotos livres de contingenciamento. Enquanto isso, os gastos correntes federais galopam sem parar. As concessões e as PPPs empacaram. As agências reguladoras foram politizadas e enfraquecidas, criando incertezas para os investimentos. Empresas federais foram aparelhadas como nunca. O governo tem sido incapaz de negociar com o Congresso uma política que reative os investimentos em saneamento.

Enfim, a dobradinha câmbio-juros é como um violino. Sozinho, não faz uma sinfonia. Mas, sozinho, se atravessar o tom, mata a música. Para crescer, precisamos, além de colocar o violino no devido lugar, movimentar a orquestra. Um desafio grandioso e complexo, mas é possível vencê-lo.

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