Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 23, 2006

AUGUSTO NUNES É bom demais ser banqueiro no Brasil

JB

Melhor que vida de banqueiro só vida de banqueiro no Brasil. O governo mantém estendida a mão solidária. Correntistas em má situação estendem a mão para pedir empréstimos (e, em seguida, para pagar juros de agiota). Clientes afortunados estendem a mão para depósitos que renderão lucros notáveis - para os banqueiros. Só ganham boladas investidores especializados em manobras ilícitas.

O que nunca se estende aos bancos é o braço da lei. Longo no mundo civilizado, no Brasil encurta quando convidado a alcançar logomarcas do sistema financeiro. O Banco do Brasil virou comparsa da quadrilha valeriana. Nenhum figurão foi preso. O Banco Rural gastou o que tinha e o que não tinha para irrigar pântanos eleitorais. Nenhum figurão foi importunado. O Real, o Safra e o BankBoston se recusam a esclarecer dúvidas apresentadas pela CPI dos Correios. Nenhum figurão será punido.

A lei determina que nenhum cliente poderá esperar na fila além de 15 minutos. Os guichês obedecem a outro fuso horário: o povo que espere. Não há consumidores na fila. Só fregueses, iguais aos do boteco da esquina.

Há anos o Brasil espera que as instituições financeiras sejam incorporadas ao universo obrigado a respeitar o Código de Defesa do Consumidor. Só falta a aprovação do Supremo Tribunal Federal. Mas togas raramente têm pressa.

O presidente do STF, Nélson Jobim, interrompeu há semanas a votação - até aquele momento favorável aos brasileiros - com um pedido de vista. Não por ignorar o assunto, mas por conhecê-lo bem demais.

Entre março de 2005 e o começo de 2006, o reajuste das tarifas bancárias alcançou, em algumas instituições, até 125%. Trata-se de uma bofetada no rosto do Brasil, pálido de espanto com os lucros dos grandes bancos. O Bradesco e o Itaú travam um duelo de impressionar qualquer xeique das Arábias. A ousadia tarifária atesta que não estão satisfeitos. Querem mais. Muito mais.

A taxação dos lucros é conversa de candidato. No poder, ninguém se atreve a desengavetar tamanha audácia. O presidente Lula chegou ao Planalto prometendo enquadrar a turma. Virou amigo dos barões. Quem teme o fantástico complô das elites dispostas a derrubar o presidente esquerdista pode confiar nos banqueiros. Estão fora.

Pagamos pelos cheques. Pagamos juros criminosos pelo uso do cheque especial. Pagamos para cair na armadilha. Pagamos para dela sair. Pagamos para contemplar carrancas nas agências. Gerentes risonhos, só em comerciais da TV. Mas esses são atores.

Sempre agarrado a pontos de interrogação, o Cabôco se interessa até por mistérios de novela. Mas por enquanto não quer saber quem matou Bia Falcão, a vilã de Belíssima. Continua concentrado na localização de João José Vasconcelos Jr., o engenheiro desaparecido no Iraque há exatamente um ano. O Perguntadô quer saber: o que fez o Itamaraty para encontrar o brasileiro seqüestrado em Bagdá? Quem está cuidando do caso?

Calendário favorece a terra de Macunaíma

Veja a ilustração
Sortilégios do calendário permitirão aos brasileiros desfrutar de férias de deputado: serão 45 dias longe do serviço. Além dos 30 de praxe, a folhinha prevê outros 15 dias a partir de fevereiro. São feriados ou datas que servem de ponte para feriadões.

Essas gazetas nacionais poderão multiplicar-se caso a Seleção faça bonito na Copa da Alemanha. Se chegar à final, mais dias úteis terão sido dedicados aos deuses do futebol. Poucas vezes os ventos sopraram tão a favor dos filhos da terra de Macunaíma.

Ainda assim, os eleitores serão novamente goleados pelos pais da pátria. Com a redução das férias, os parlamentares passaram a suar 46 semanas por ano. Mas a semana do Congresso tem só três dias úteis. São 138 jornadas de trabalho. E 227 de folga. Só no Brasil.

Artilheiro insuperável

A taça vai para o presidente Lula, pela frase improvisada que infiltrou no discurso sobre o Mercosul:

''Precisamos ser generosos com os nossos irmãos mais pequenos do Mercosul''.

O presidente precisa ser mais generoso também com o idioma. O Uruguai e o Paraguai sempre foram ''irmãos menores''. Com a invenção do lulês, viraram ''irmãos mais pequenos''.

O colunista pede perdão

Em artigo publicado na quinta-feira na seção Coisas da Política, este colunista juntou Dom Pedro II, Diogo Antônio Feijó, Delfim Moreira e produziu uma versão piorada do Samba do crioulo doido , grande criação de Stanislaw Ponte Preta. O texto diz que, quando foi decretada a maioridade de D. Pedro, o Padre Feijó tornou-se regente para governar em nome do imperador de 15 anos. Feijó fora regente anos antes.

O texto também afirma que Delfim Moreira chegou ao Catete por estar no comando do STF quando morreu o presidente eleito Rodrigues Alves. Moreira nunca vestiu uma toga. Tinha sido candidato a vice na chapa vitoriosa. Morto o titular, assumiu o cargo vago. Perdão, leitores.

E foi só uma frase imbecil

Governar é abrir estradas, proclamou o presidente Washington Luiz (1926-1930). Devia ter sido só uma frase, pronunciada com a grandiloqüência que camufla o conteúdo imbecil. Virou mandamento, que se desdobraria em equívocos monstruosos. Ferrovias foram condenadas à morte por inanição. Grandes hidrovias envelheceram no papel. A navegação fluvial definhou. As viagens costeiras acabaram. E o Brasil foi reduzido a uma imensidão dependente dos caminhos por terra. Como já não havia outros meios de transporte a destruir, os sábios federais providenciaram o assassinato das principais rodovias.

A operação tapa-buracos montada pelo governo concluiu o monumento à inépcia.

Dupla do barulho

O andar da carruagem avisa: a crise desencadeada em junho de 2005 promete tirar o sono de 2006. Já em janeiro, a CPI dos Bingos puxou das coxias para o palco dois amigos de Lula escalados para cenas muito animadas e pouco edificantes.

Um é o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto (foto). Outro é o advogado Roberto Teixeira. A quebra dos sigilos bancário e fiscal de Okamotto pode implodir a história que montou: foi ele quem pagou a dívida de Lula com o PT, sem sequer contar ao amigo. Uma bolada de quase R$ 30 mil.

Lula morou de graça num apartamento de Teixeira. O cargo de Amigo do Homem vale mais que qualquer aluguel. Teixeira sempre foi bem tratado por prefeitos petistas. Agora esbanja prestígio no governo federal.

Nos estágios em cidades paulistas, preparou-se para o doutorado em Brasília. É um dos melhores da classe: há dias, ressuscitou a Transbrasil. Internou-se num hospital depois das denúncias de Paulo de Tarso Wenceslau. Deve ter contraído o Pavor de CPIs, uma variação da síndrome do pânico. Só ataca quem pecou.

Perigo sem sobrenome

A polícia paulista informou em abril de 2002 que identificara o executor de Celso Daniel, prefeito de Santo André. Um jovem franzino, olhos nublados e tartamudo tornou a assumir, diante dos jornalistas, a autoria dos tiros que mataram o homem seqüestrado e torturado. Mas não iria para a cadeia. Tinha 17 anos. Nem o nome completo pôde ser divulgado. André X. acabou na Febem.

Não mudou de endereço com a chegada à idade adulta. Só agora o país soube que o assassino gozava do regime semi-aberto e visitava a família regularmente. Só agora o país soube que, em novembro, sumiu da Febem. Aos 20 anos, André X. pode ter sido morto pelos comparsas. Pode estar nas ruas, livre para matar.

Suicidas no Legislativo

Documentos colhidos pela CPI dos Correios informam que, nas eleições de 1998, o vigarista Marcos Valério agiu também em território paulista. Já se sabia das pilantragens despejadas pelo valerioduto sobre as urnas mineiras, na vã tentativa de reeleger o governador tucano Eduardo Azeredo. Sabe-se agora que picadas abertas no lamaçal cruzaram as divisas que separam Minas Gerais de São Paulo. As pegadas levam a refúgios de políticos do PSDB.

Antes que alimentassem a fogueira da crise, os papéis colhidos pela CPI mobilizaram bombeiros de todos os partidos, interessados em evitar novas revelações e livrar do cadafalso mais cabeças.

O Congresso perdeu o instinto de sobrevivência.

augusto@jb.com.br

[22/JAN/2006]

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