Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 22, 2006

O genoma dos políticos Gaudêncio Torquato

OESP

Vejam só: o presidente da República percorre três Estados nordestinos para inaugurar (pasmem) o início da colocação de asfalto em buracos de estradas. Com o chapéu de tropas do Exército, signo adequado para atestar o ânimo cívico do cowboy que enfrenta as ruindades do cotidiano, convida políticos ao palanque e, dando vazão à costumeira parolagem, manda o rubor às favas: "Candidatos é para estarem aqui mesmo." Quem quiser perceber nisso ação eleitoreira é despachado para o índex de adversários e da imprensa elitista. Lula é mesmo um caso que só a psicopatologia explica. Não que ele seja o primeiro e único a abusar da liturgia do poder para pavonear o perfil e pavimentar os buracos de sua candidatura. Candidatos à reeleição fazem isso de maneira mais ou menos intensa. Mas Luiz Inácio tem um quê diferenciado. Ele parece um ator mascarado do teatro chinês que, impassível, dá a impressão de não experimentar as emoções do personagem. Esconde a condição de candidato, para proclamar, do alto da onisciência, o argumento da infalibilidade papal: "Roma locuta, causa finita (Roma falou, a causa está encerrada)."

A poeira é tão densa na caatinga política que não permite aos juízes eleitorais enxergar os entulhos ilegais que se formam nas cercanias de Poderes Executivos ocupados por candidatos à reeleição. A preocupação do Tribunal Superior Eleitoral manifestada nas últimas semanas é com o dinheiro das campanhas, em função do que produziu alentado conjunto de normas e orientações. Ora, as iniqüidades começam com o uso indiscriminado do aparato governamental. A essa altura, quem detém o Poder Executivo já está francamente em campanha sob o olhar vesgo da Justiça Eleitoral. Para começar, o calendário das eleições de 1º de outubro (primeiro turno) e 29 de outubro (segundo turno) é uma tentativa de cobrir o sol com peneira. A três meses das eleições, em 1º de julho, os candidatos serão proibidos de fazer propaganda partidária gratuita e usar o poder de nomear e ajudar Estados e municípios com recursos. Em 6 de julho, desfilarão na propaganda eleitoral. Analisemos a contrafação.

A crise política, que nasceu da denúncia sobre o mensalão, energizou a sociedade, mobilizando núcleos e despertando a atenção social. Partidos de situação e oposição aguçaram diferenças. O resultado desse processo será canalizado para as eleições, que assumirão caráter de plebiscito. Sob este esquentado clima, a campanha se antecipa, mesmo que ainda não tenha nomes escolhidos. Ocorre que os contendores da arena já estão definidos: governistas e oposicionistas. Sendo assim, o último périplo de Lula a Estados, a palanques com convidados e discursos de auto-elogio, abriu oficialmente a campanha. Esse é o ponto de quebra do valor clássico do direito eleitoral, a chamada "pars conditio" ("a igualdade de condições das partes"). As aparições para inaugurar obras, a visibilidade inerente ao cargo Executivo, o uso de aparelhos governamentais e slogans propagandísticos em tudo que é espaço público, os funcionários mobilizados para garantir a eficácia das operações e, ainda, o barulho de caravanas têm força para provocar impacto e cooptar a simpatia de massas incultas.

O cenário se completa com a prestação de contas em programas na mídia eletrônica e na propaganda de rua, como essa dizendo que a pobreza baixou 8% no governo Lula. O verbo louvar se multiplica sob o empuxo de polpudas verbas. E os cidadãos passam a distinguir no governante a imagem do realizador, sem relacionar os "feitos grandiosos" à avalanche de impostos que esvazia o bolso do consumidor. A sociedade é induzida a pensar que é beneficiária da generosidade de administradores operosos. Uma farsa. O estatuto da reeleição confere, assim, uma carga de privilégios a governantes que pleiteiam continuar no cargo. As restrições legais, previstas na Lei 9.504/97, são dribladas por candidatos à reeleição desde o momento em que antecipam campanhas. E, durante todo o tempo, o governante-candidato leva vantagem, bastando identificá-lo com o simbolismo do poder da caneta. Esse caminho tortuoso passa ao largo da Justiça Eleitoral, que enxerga apenas a cor do dinheiro. Outras formas de escambo eleitoral são esquecidas.

Além disso, obras em ano eleitoral costumam ser feitas com os tijolos quebradiços da improvisação. Lembre-se, a propósito, do Túnel Rebouças, em São Paulo, cheio de falhas, feito nos últimos dias da administração Marta Suplicy. Entram no custo Brasil de perfis "bonitinhos, mas ordinários". Há, portanto, um formidável aparato de ilegalidades e desperdícios que não integram a agenda da Justiça. Não dá para acreditar que a reeleição, no Brasil, seja passaporte de bons administradores. O nosso federalismo, originalmente forjado com as idéias de Rui Barbosa e inspirado no modelo norte-americano, poderia acolher com força a reelegibilidade caso nossas leis fossem respeitadas. Estamos longe da democracia norte-americana, lembrada como exemplo. As nossas ainda frágeis instituições não dispõem de mecanismos eficazes e respeitados de fiscalização e controle.

Se não podemos esperar muita coisa lá de cima, temos de realizar a nossa parte aqui de baixo. Como? Fiscalizando e julgando. Significa ter um olho crítico no processo eleitoral que se abre, avaliando perfis, propostas e sua viabilidade. As histórias dos protagonistas contam muito. Na hora do juízo final, a decisão virá naturalmente. Assim como na genética, urge mapear o genoma de candidatos. A identificação de seus cromossomos é fundamental para evitar a continuidade das doenças hereditárias de nossa cultura política. É interessante anotar que anomalias genéticas parecem estar por trás dos desvios de comportamento de alguns figurantes. Disfunções no cromossomo 18 são responsáveis por coisas como retardo mental. E a anomalia no cromossomo 13 - por acaso o número do PT - origina a má formação de órgãos. Uma trágica coincidência.

Arquivo do blog