ESTADÃO
Em artigo no Boston Globe, Graham Allison, diretor do Belfer Center for Science and Affair, na Harvard University Kennedy, levanta com muita propriedade essa questão.
Quem poderia prever, há 14 anos, que a União Soviética do "Império do Mal", de Reagan, seria apagada do mapa tão rapidamente sem derramamento de sangue ou revolução, pergunta. Quem poderia acreditar que isso seria possível sem uma guerra?
Quem poderia acreditar que essa mesma URSS iria transformar-se numa sociedade normal, análoga ao Brasil, à Indonésia ou à Índia?
Que países como os EUA, a China, o Japão estariam hoje disputando ferrenhamente para construir oleodutos, gasodutos e explorar os 70 bilhões de barris de petróleo que a Rússia, com investimentos principalmente privados, descobriu após 1991?
Que pudesse passar a ser fornecedora de petróleo para reforçar as "reservas estratégicas", sabem de quem, acreditem!, dos EUA?!
Que a Rússia seria a segunda maior produtora do mundo, ao lado dos EUA?
Nem tudo deu certo, admite Allinson, há ainda muita coisa enganosa, muita inverdade, muitas realidades contraditórias, sim. Mas, acrescenta: "Comparado com os nossos medos mais negros, quem teria imaginado a Rússia de hoje?"
VÁ EMBORA!
Isto aconteceu comigo ao deixar Moscou, em dezembro de 1994. A recepcionista do hotel, que havia desde o início retido meu passaporte, chamou-me um dia antes de eu ser obrigado a partir, pois não haviam renovado meu visto, e avisou-me, com ar severo e indisfarçável satisfação: "O senhor tem de deixar o hotel amanhã cedo."
Eu sabia o porquê, mas, perguntei: "Mas, por quê, madame?" – Seu visto extingue-se amanhã e nós não podemos recebê-lo mais. O senhor tem de sair amanhã cedo.
E ponto final. Era ela quem me fiscalizava. A pobre, doutrinada desde a infância, não entendia que o meu jornal e eu estávamos trazendo os preciosos e desesperados dólares para a nova Rússia, falida, ou seja, para ela que me expulsava com tanta alegria.
Duvido que hoje a não mais "camarada" recepcionista viesse a agir assim...
YELTSIN, O HERÓI BEBERRÃO
A Rússia está ainda meio tonta, meio perplexa, mas deu certo, sim. Yeltsin continua sendo o beberrão de sempre, mas entrou e saiu na hora certa quando viu que seu negócio era ser "herói", era subir num tanque, desafiar os militares golpistas, decretar o fim do comunismo, mas não administrar aquele caos que recebeu de Gorbachev; o mesmo Gorbachev que fez o que fez simplesmente porque não sabia o que fazia. Basta ver seu o discurso, após ser libertado, dizendo que, agora, sim, era a hora de restabelecer o verdadeiro socialismo do seu ídolo, Lenin. Não havia entendido nada.
DEPOIS, A POLÔNIA
No ano seguinte a Moscou, em fevereiro de 1995, o Estado mandou-me para a Polônia, e lá vi, em Varsóvia, a mesma perplexidade ansiosa, as mesmas distorções das mesmas angústias. Minha guia sentiu a minha perplexidade ao chegarmos a uma farmácia, pedirmos o meu antiácido, e entrar numa fila, não de espera, não, mas para poder pagar numa caixa abrigada por grades de segurança, como as dos bancos.O que é isso?, perguntei. E ela explicou-me que antes era assim, grades, vidros e uma janelinha minúscula, ou o povo tentava invadir para conseguir um remédio.
Na verdade, era a mesma Polônia onde tudo começara, que desencadeara, em fins de 1970, o início do fim da URSS já fragilizada pela onda de corrupção clamorosa de Brejnev, de filas infinitas, miséria e fome reprimida. Vi a ânsia de liberdade contida dos meus dois jovens guia.
PARIS, O MUNDO...
Nas longas conversas com eles e com o povo, madrugada adentro, vi o que sofreram, vi como deram o primeiro passo de liberdade com o Solidariedade. A liberdade tardia que chegara mais cedo. A Polônia já está na União Européia e a Rússia não tardará muito, também.
Encerrando esta espécie de "depoimento", pergunto-me: o que eu vi, presenciei, foi a vitória da liberdade? Não. Não foi apenas isso. Voltei dessas viagens convencido de que eu havia visto a vitória do ser humano.
Sabem, às vezes, é preciso acreditar nele. (Parte final da série)
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E a Rússia deu certo em apenas 14 anos (3) POR ALBERTO TAMER